Uma história sem final feliz (Pt. 1) [Republicação]

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Aeroporto de Guarulhos, São Paulo, Terminal 2, Asa D.

Agora são exatamente… 17h37min do dia 17 de outubro de 2011. Estou escrevendo esse texto numa cadeira bem desconfortável de uma lanchonete. Meu voo sai daqui a três horas e, caso não desista da ideia, pretendo agendar esse texto para ser publicado automaticamente no blog às 00h00min do dia 18, horário do Nordeste, que é pra onde eu estou indo.

Antes de vir pra cá, pro aeroporto, eu estava num motel, acompanhado da mulher mais linda que já vi na vida: uma atriz da Rede Globo, solteira, já perto de completar 25 anos de idade, e que fez umas 3 novelas eu acho (não sei ao certo pq não vejo novela) e não está em nenhuma agora. Isso é tudo que vou dizer sobre ela, por 3 motivos:

1. cavalheirismo;

2. porque ela me fez prometer que nunca falaria nada a respeito; e

3. porque ninguém iria mesmo acreditar se eu dissesse quem era.

O fato da gente não ter transado, mesmo ela tendo passado boa parte da manhã comigo naquele motel, almoçado comigo, e me dado um beijo na boca antes de sair pra sempre da minha vida, não é, nem nunca seria um quarto motivo. Eu teria guardado segredo do mesmo jeito, se a gente tivesse feito o que foi lá pra fazer. Só que com melhores lembranças do que as que ela me deixou.

Por que eu estou fazendo isso? Escrevendo essa introdução às pressas? Por 3 motivos também:

1. eu tomei umas doses de vodka;

2. começando o texto agora (com essa coragem irresponsável, com essa raiva indisfarçável e com a decepção insuportável), eu me obrigo a contar o que aconteceu, porque, mesmo sem ter um final feliz,

3. essa é uma daquelas histórias que merecem ser contadas.

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O bê-a-bá da Evolução [Republicação]

Traduzi um vídeo excelente, que explica de uma forma simples e ilustrada, o que é a Teoria da Evolução e como ela acontece.

As flores do mal [Republicação]

Chamava-se Margarida. Era natural de Itabuna, Bahia; loira, muito bonita, e ganhava a vida como prostituta. Isso é tudo o que eu sei sobre a minha mãe.

Desde que me entendo por gente, sempre soube da história. Pelo menos do modo como ela me chegou aos ouvidos.

Minha mãe, já  comigo na barriga, embarcou na boleia do caminhão do meu “pai adotivo”, para ir morar com ele na cidade de Castanhal, no Pará. Como meu “pai” vivia viajando, depois que eu nasci minha mãe também não parava em casa (certamente ganhando seu próprio dinheiro com seu ofício) e, mui provavelmente, quem tomava conta de mim era a minha “avó”, D. Rosa.

Por conta de desentendimentos entre a minha mãe e a minha “avó”, que era viúva e morava na casa de meu “pai” também, D. Rosa, um belo dia, quando só estávamos os dois em casa, arrumou as trouxas e me levou no colo até a BR, onde fomos de carona até Belém. Lá ela pegou um ônibus até Sobral, no Ceará, de onde seguimos para Coreaú, uma cidadezinha minúscula onde moravam alguns dos seus parentes mais próximos.

Eu devia ter, então, uns 2 anos de idade e havia sido raptado. Mas eram os últimos anos da década de 70 e, ao que parece, a coisa ficou por isso mesmo.

Nós fomos morar na casa de um irmão da minha “avó”, que era um tipo de açougue: uma vendinha malcheirosa com peças de carne espalhadas por todo canto, penduradas em ganchos no teto e em cima de uma bancada de mármore repleta de moscas. Dizem que minha “avó” foi solicitada a ajudar na venda, ou nas tarefas da casa, que eram muitas, visto que, contando com nós dois, éramos oito pessoas dividindo uma casa de seis cômodos, e era preciso cuidar da venda, da casa e das crianças; eu incluso.

Minha “avó” não quis fazer nem uma coisa nem outra e, menos de um ano depois, voltou para Castanhal, com um peso a menos na bagagem: eu.


Morei na casa do açougue até os meus nove anos. Muito cedo fui engajado nos serviços domésticos e, quando já mais grandinho, o açougueiro encontrou em mim uma excelente serventia: ele me mandava ir até a casa da dona fulana saber se ela iria querer carne para o almoço; eu ia correndo, perguntava, e voltava correndo. Se a freguesa fazia o seu pedido, eu levava a encomenda e trazia o dinheiro. Quando o serviço de entregas findava, eu tinha a incumbência de ficar no açougue ajudando o homem e, no fim do dia, cabia a mim limpar a venda.

Passei a minha infância trabalhando como um escravo, mas embora levasse umas palmadas às vezes, não lembro de ter sofrido violência física. Pelo menos até quando o açougueiro descobriu que a sua filha mais velha estava me usando para um sem-número de brincadeirinhas sexuais. E ele só descobriu porque a segunda mais velha deu com a língua nos dentes, provavelmente porque a outra não queria que ela participasse dos folguedos… Levei a maior surra da minha vida. O homem só parou de me bater quando estava já sem forças. Sorte minha que era um gordo velho e asmático.

Depois disso, minha presença na casa ficou impossível. O homem queria me jogar na rua, sem eira nem beira, e a mulher queria que eu fosse levado de volta para a casa do meu “pai adotivo”, no Pará. Como não havia quem pudesse me levar, muito menos dinheiro disponível para a empreita, acabaram me despachando para ir morar com uma parenta da mulher do açougueiro, que era amigada com um pedreiro e morava numa casinha de dois cômodos no meio do nada. Como também não havia nada para fazer, a minha nova “mãe” resolveu me ensinar a ler e a escrever para passar o tempo. Ela conseguiu me alfabetizar antes que eu completasse onze anos e me deu o primeiro livro que li na vida: O Príncipe, de Maquiavel.

Mas logo estavam os dois discutindo o que fazer comigo, pois o pedreiro havia resolvido ir tentar a vida em São Paulo. Ele queria levar minha tutora junto, mas sem o pupilo. Acabou por se resolver que, no caminho para o sul do país, eles me deixariam com a mãe dela, na cidadezinha de Pacatuba, região metropolitana de Fortaleza, no Ceará.

Antes de fazer doze anos, numa noite de chuva forte, fui entregue aos cuidados de uma quarta família: a mãe da minha antiga tutora, seus dois filhos com suas respectivas esposas, e sua neta, filha de um dos casais, uma moreninha linda, uns dois anos mais velha do que eu, com cabelos castanhos longos que se desmanchavam em ondas cintilantes pelas suas costas e pelos seus seios voluptuosamente precoces de menina-moça.

Naquela primeira noite na minha nova casa, lembro de ter sentado na minha rede antes de dormir e de ter agradecido longa e fervorosamente a Deus, não pela sorte de ter encontrado um novo lar, mas por minha antiga tutora não ter tido tempo de contar para a minha nova família o episódio ocorrido com a filha do açougueiro, o motivo de eu ter estado sob a sua guarda.

Lembro da certeza que tinha de que Deus havia ouvido os meus sussurros por entre os trovões que ribombavam nos céus acima, e lembro de que fiz o sinal da cruz sorrindo, enquanto me acomodava na minha rede armada a menos de um metro da entrada do quarto sem porta da minha doce e linda Hortência.

Hydrangea macrophylla (Hortênsia)


Os trabalhos braçais a que sempre fui submetido desde pequeno me garantiram uma compleição física acima da média para a minha idade e, como já disse, minha mãe era uma mulher bem bonita e acho que herdei um pouco dos seus traços. Se por isso ou porque ela nunca havia tido por perto nenhum rapazinho loiro de olhos verdes tão afoito, eu nunca vou saber, mas Hortência se entregou a mim em menos de uma semana. Conhecemos o sexo um com o outro numa madrugada friorenta, na terceira ou quarta vez em que, sorrateiramente, eu deslizei da minha rede para dentro do seu quarto desprotegido. E ela precisou sufocar a dor da despedida da sua inocência em lençóis de retalho que cheiravam a sabão em barra.

Durante o dia, mal nos víamos e sequer nos falávamos, mas à noite, eu tinha sempre a oportunidade de deslumbrá-la com os truques que a filha do açougueiro havia me ensinado. Ela passava as manhãs na escola e as tardes na casa de uma tia, mais para o centro da pequena cidade. Voltava no começo da noite, de carona com o pai, e fingia que eu nem existia. Mas quando eu a despertava nas madrugadas, ela me abraçava em silêncio e me beijava longamente.

Nossos encontros clandestinos eram perigosamente ameaçados por qualquer barulho que houvesse, dentro ou fora da casa. Se ela, alguma vez, disse que me amava ou que gostava de mim enquanto eu a tinha em meus braços, eu nunca ouvi. Seus sussurros eram sempre mais fracos que o vento de inverno que soprava forte por entre as telhas da casa, ou eram abafados pelo pulsar violento do sangue nas minhas têmporas.

E assim se passavam os dias e eles eram sempre os mesmos: uma luta constante contra o sono e uma ânsia desesperada para que o sol logo sumisse no horizonte. As noites, por sua vez, nunca eram iguais. Às vezes a família estava muito estressada fosse com o que fosse, e as pessoas acordavam com frequência para tomar água, ou ir ao banheiro, ou mesmo para conversar de madrugada fumando cigarros intermináveis. Às vezes Hortência passava quase uma semana menstruada e não me deixava chegar perto. E as noites de lua cheia eram proibidas para nós, porque o interior da casa ficava por demais iluminado, e a consumação do nosso delito carecia do manto perfumado das trevas. Não fossem esses intervalos, eu provavelmente a teria engravidado e as coisas teriam sido diferentes. Pra pior, com certeza.

Desnecessário dizer que eu me apaixonei. Desnecessário dizer, também, que eu não sabia nada da vida; muito menos de mulheres.

Uns seis meses depois da minha chegada, a avó de Hortência, D. Dália, achou que minha ajuda nos serviços da casa e na lida com os animais era um luxo que ela podia dispensar, e me conseguiu um emprego com um vizinho dono de uma leiteria. Eu iria limpar o curral das vacas, todos os dias, e vender o esterco na cidade.

Não sei por que, mas não me pareceu a pior coisa do mundo à primeira vista. Mas quando, por acaso, passando pela rua do colégio dela, Hortência me viu empurrando meu carrinho carregado de bosta, a noção do mundo em que eu vivia desmoronou sobre mim, como um prédio desmorona ao ser implodido.

Enquanto eu passava na frente da escola, dificultosamente desencalhando o carro de estrume do atoleiro da rua de barro, vi e ouvi as garotas rindo alto enquanto me encaravam. Apesar de me acompanhar com os olhos surpresos enquanto eu desfilava a minha indigência à sua frente, percebi que Hortência não ria com as outras, nem tinha a menor expressão que denunciasse que pretendia fazê-lo.

Seu rosto era pura decepção. Ou vergonha. Ou as duas coisas juntas.

Era semana de lua cheia. Na lua nova seguinte, eu ouvi, pela primeira e última vez, a voz dela se elevar acima do vento que zunia por sob as telhas do quarto escuro. Ela disse apenas um “Sai daqui”, como se falasse a um cachorro, e nunca mais permitiu que eu a tocasse de novo.

Dahlia pinnata


Tudo bem, paremos por aqui. Essa biografia é falsa.

Por que eu estaria escrevendo uma relato fictício sobre a minha própria vida? Ah, essa resposta só eu tenho. Já dizia o poeta que “até nas flores se nota a diferença de sorte: umas enfeitam a vida, outras enfeitam a morte”. Mas como há o jardineiro que não conhece o destino de suas flores, também há o que as cultiva para um determinado fim.

Ainda que eu continuasse com a farsa e postasse toda a minha “biografia” aqui no site, não é difícil de imaginar que, se fosse do interesse de alguém, eu poderia ser desmascarado fácil, fácil. Um detetivezinho de subúrbio não passaria mais do que uma semana pesquisando meus rastros, reais e virtuais, até achar, pelo menos, algum documento meu que contivesse minha filiação, ou encontrasse um conhecido, um parente, um colega de trabalho, que pudesse, enfim, dizer-lhe que minha vida não tem nada a ver com essa história. Isso sem contar que ele não precisaria fuçar muito se tivesse escolhido investigar aqui mesmo no blog, uma vez que três ou quatro leitores já perceberam o embuste.

Agora, imagine que o Barros, com tempo e alguns rolos de pergaminho de sobra, tivesse tido a mesma ideia uns dois milênios atrás. Eu iria mostrar meus escritos a uma meia dúzia de pessoas (era uma época em que apenas uns poucos sabiam ler e escrever) e só. A brincadeira parava por aí. Entretanto, meus pergaminhos iriam, certamente, sobreviver a mim e seriam guardados com carinho, visto que toda produção literária naqueles tempos era um luxo, um sinal de status, e dali a pouco, numa sociedade em que a expectativa de vida era de três décadas e as pessoas sequer tinham sobrenome, tudo o que o mundo teria sobre mim seria justamente o que eu mesmo escrevi.

Algum leitor que tomasse meus textos para ler, nos séculos seguintes, não teria a quem recorrer, nem ao que recorrer, para se certificar se o que estava ali escrito seria ou não a verdade sobre o autor. Se ninguém mais havia escrito sobre o Barros, aquele leitor chegaria à conclusão de que o Barros teria sido uma figura bem comum de sua sociedade, sem absolutamente nada de extraordinário, e que teria que se conformar com a única coisa que havia sobrevivido a ele: sua autobiografia.

“ — Ora, por que uma pessoa deixaria para a posteridade uma história fictícia sobre sua própria vida? O mais provável é que esse Barros tenha relatado fielmente o que lhe aconteceu nos seus tristes dias sobre a terra…”

E a partir daí, se, por acaso, eu ganhasse a fama que nunca havia tido, tudo o que se escreveria sobre mim seria baseado naquele texto inicial, que só eu e os defuntos que me conheceram em vida sabiam se tratar de uma história inventada.

Quando um crente rechear seus argumentos e exaltar sua própria moral duvidosa com versículos de uns certos textos escritos há vinte séculos, tente pensar nas minhas Flores do Mal, uma história que eu criei e na qual você  se veria tentado a acreditar se a tivesse lido 2 mil anos após a minha morte. Acho que essa lembrança vai te inspirar a conduzir a discussão. E, sobre os Evangelhos, vale a pena dar uma lida nessa tradução que fiz, em que uma avaliação minuciosa revela que os seus autores eram apenas dois, e que não viveram na mesma época de Jesus.

Será que o que esses dois escreveram era a descrição fiel da realidade que foi presenciada por terceiros? Ou será que poderia ser apenas um história inventada com intenções que supomos, mas não podemos provar?

O resultado do trabalho deles está aí nas ruas, em cada esquina. Mas não se esqueça de lembrar a todos quantos puder: não há nada que não nos permita pensar que tudo isso não passa de uma grande mentira.

Publicado originalmente Aqui, em março de 2010, em quatro partes.

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Quando publicou, em 1857, As Flores do Mal (Lês fleurs du mal), o poeta francês Charles Baudelaire fincou o marco a partir do qual se estabelecia a poesia moderna e simbolista. Entretanto, sua obra-prima escandalizou a sociedade parisiense de então, despertou hostilidades na imprensa e foi considerada imoral, sendo, por fim, proibida de circular.

As Flores do Mal reuniam uma série de temas de toda a obra do poeta: a queda, a expulsão do Paraíso, o amor, o erotismo, a decadência, a morte, o tempo, o exílio e o tédio. A primeira edição era constituída por 1300 exemplares em papel Angoulème e 10 em papel Vergé. Os editores tinham guardados 200 exemplares da obra original e, para não terem que destruir os livros, condenados em sentença judicial, limitaram-se a destacar todos os poemas proibidos de todos os volumes. Nasciam assim os “exemplares amputados”, que valem uma fortuna atualmente.

Em 1992, As Flores do Mal foi, pela primeira vez, publicado com texto integral.

Neste livro atroz, pus todo o meu pensamento, todo o meu coração, toda a minha religião (travestida), todo o meu ódio.”

(Baudelaire)

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Como fundar sua própria igreja [4/4]

Capítulo 8 – Atividades extras

Calma, ele não está asfixiando o sujeito. Isso é uma sessão de descarrego.

Igreja que é igreja não oferece apenas cultos. Como a Igreja Multinacional da Máfia de Deus já não é uma igrejinha de fundo de quintal, podemos pensar em outras atividades para as pessoas. A mais clássica atividade extraculto sem dúvida alguma é a sessão de descarrego, acompanhada de outras coisas como Vale do Sal, Óleo Santo do Monte Sinai e por aí vai. Antes de mais nada, organize sessões de descarrego uma vez por semana, preferencialmente no culto de domingo à tarde, quando todos podem ir à igreja. Nem se preocupe em aprender a descarregar encostos, já que os seus pastores se encarregarão de todo o trabalho árduo, mas não se esqueça de aparecer de vez em quando na sede para acompanhar as sessões e mostrar a todos que você é um líder presente.

O próximo passo é criar alguns itens mágicos, exatamente como aqueles dos RPGs, e lhes atribuir poderes espirituais para serem usados em atividades extraculto. Por exemplo, pegue uma espada de madeira, pode ser uma daquelas de Kendô mesmo, e use-a numa sessão de descarrego para auxiliar na luta contra os encostos. Basta dizer que se trata da Espada Sagrada Vorpal +5 do Arcanjo Miguel; o efeito psicológico sobre os fiéis é garantido. Também vale criar cenários exóticos durante a sessão, como é o caso do Vale do Sal. Uma boa ideia de cenário diferente é, em vez do sal, espalhar um monte de rosas vermelhas no caminho até o altar, que deverá ser percorrido por todos os fiéis, e no altar você colocar um boneco de pano com um pouco de areia dentro, pendurado no teto por uma corda, igual àqueles negócios usados para treinar Boxe e Muay Thai. O boneco deverá ser a cara do Saga de Gêmeos em seu lado maligno, e então você deverá mandar o seu seguidor encher de porrada o boneco, que representa o demônio e todos os males que ele está enfrentando.

“Chute o demônio, expulse o mal que lhe atormenta!! Não desista, em nome de Jesus!!”

A criatividade é toda sua para inventar outras atividades similares que certamente animarão a multidão, porque o pessoal adora novidades. Uma outra ideia é fazer as sessões de descarrego tradicionais no domingo e as sessões personalizadas no meio da semana, mas sempre variando a temática da sessão; num dia, Vale das Rosas contra o Saga, no outro, a Bênção da Espada +5, e assim sucessivamente.

Capítulo 9 – Abrindo filiais

Agora você poderá comandar igrejas deste porte.

Parabéns, jovem empresário pastor. A sua igreja é um imenso sucesso e você nunca viu tanto dinheiro de dízimos e ofertas na sua mão. Uma igreja só não é mais suficiente para manter o seu império em expansão, então vamos pensar em abrir novas filiais da Igreja Multinacional da Máfia de Deus. Procure mais alguma comunidade grande e ignorante da sua cidade, nos moldes da favela onde você abriu aquele barracão inicial, e construa outro templo igual ao que você usa agora como sede matriz. Contrate mais pastores e secretárias para trabalharem apenas na nova filial e mantenha lá a mesma grade horária da matriz, incluindo as atividades extraculto, com a diferença de que você não precisa ficar visitando a filial toda semana.

Com a grana que você está faturando agora, é possível abrir várias filiais por ano, afinal o império não pode parar, certo? Pois meta as mãos à obra e abra várias filiais logo depois desta, cobrindo toda a sua cidade com a sua igreja por meio de filiais localizadas em pontos estratégicos. Se for um bairro grande, considere fazer um templo maior do que a matriz, daqueles comparáveis a grandes ginásios esportivos pelo tamanho. E se tudo der certo, a sua igreja será mais influente do que a Igreja Universal na sua cidade.

Por último, haverá a opção de instalar filiais em outras cidades do Brasil, quando não houver mais espaço nas suas próprias redondezas. Isso dará bem mais trabalho, evidentemente. Para levar o seu projeto a outras regiões, será necessário o último passo deste manual, que é conquistar a mídia.

Capítulo 10 – Arrebatando a mídia (Pequenas igrejas, Grandes negócios)

Exemplo de publicação do gênero.

Finalmente, para transformar a sua igreja numa potência de nível nacional, será preciso tomar para si o poder da mídia, e isso dará algum trabalho mesmo para a sua colossal igreja. Comece por meio de jornais e periódicos próprios, publicados na sua cidade e região metropolitana, o que garantirá de uma vez por todas a sua supremacia regional no âmbito religioso. Até a Igreja Católica irá tremer perante a Igreja Multinacional da Máfia de Deus. Depois disso, procure comprar horários na televisão para transmitir seus cultos em todo o estado, e mais tarde, em todo o país. Comprar algumas horas de programação lhe custará algumas centenas de milhares de reais por mês, mas agora a sua igreja é milionária e isso não será nada para o seu tesouro.

Graças aos programas de TV, a sua igreja se tornou famosa em todo o país e concorre com as maiores igrejas do ramo. Por último, como o golpe final rumo ao sucesso na carreira evangélica, basta comprar uma emissora de televisão e nela veicular todos os seus cultos e sessões alternativas de descarrego. Quando esse dia chegar, a sua igreja será imortalizada e entrará para os anais da História.

Como fundar sua própria igreja [3/4]

Circo Gospel

Capítulo 5 – Cultos

Os cultos são uma coisa muito importante, pois não existe igreja sem cultos, certo? No Gênesis da sua obra capitalista espiritual para com os carentes, você não precisa fazer cultos a cada hora, como nas igrejas mais poderosas, mas precisará de um mínimo de atividade. Promova dois cultos semanais, um no domingo de manhã e outro no meio da semana, podendo ser quinta-feira à noite, num horário acessível a todos, ou seja, depois do trabalho. Evite a quarta-feira por ser este o dia do futebol na televisão, algo que realmente afasta as pessoas do caminho da fé. Os cultos deverão durar cerca de uma hora, e você deverá estar bem vestido. Arrume um terno preto o mais rápido possível.

Por enquanto você é o único pastor da igreja, o responsável por comandar os dois cultos semanais. Mas não é tão difícil assim não. Basta lembrar as aulas teóricas e enrolar a multidão com alguns versículos da Bíblia, interpretados do jeito que você quiser, valendo até achismo se você não entender direito o versículo. Não interessa: todo mundo vai acreditar na sua palavra. Depois de fazer uma leitura e interpretação de alguns trechos bíblicos, escolhidos por você aleatoriamente uma hora antes do culto (para dar tempo de ler pelo menos uma vez antes), bote gasolina na fogueira e comece a gritar palavras de ordem contra o Diabo, dizendo que Jesus Cristo tem o poder para vencer o mal e a sua igreja possui o mais direto elo com Jesus. Logo depois desse sermão, lembre os seus seguidores de que a fidelidade no dízimo é condição sine qua non (muita gente não vai entender, mas todos vão achar bonito) para que Jesus se lembre de cada um deles. O dízimo é a prova da aliança entre Deus e os homens. Na verdade você não está pagando, mas está devolvendo ao Senhor, pois Ele já lha dá toda a proteção contra o demônio, está assim no livro de Malaquias e blablablá. Lembre-se de repetir isso em todos os cultos, para que as pessoas sintam um medo absolutamente mortal de ousar não devolver o dízimo naquele mês.

Uma vez por semana, contrate algumas pessoas para aparecerem aos seus fiéis, dizendo que você as curou de algum encosto ou que a sua igreja as livrou de uma crise de dívidas ou coisa que o valha. Esses depoimentos acontecerão logo antes do culto dominical e farão com que os adeptos acreditem ainda mais em você. Logo depois, antes de começar o culto, peça a todos que tentem divulgar a igreja aos seus amigos e parentes, afinal essa igreja realmente ajuda as pessoas, como ficou bem claro nos depoimentos.

Capítulo 6 – Expandindo o quadro de pastores

Veja o profissionalismo de um pastor.

Depois de um tempo, a sua igreja começará a ficar conhecida na comunidade, graças aos milagres operados e devidamente divulgados por você e pelos depoimentos das pessoas contratadas, e o número de fiéis deverá estar na casa de 500 dentro de poucos meses. A essa altura, a Igreja Multinacional da Máfia de Deus recolhe cerca de 20 a 30 mil reais por mês com os dízimos, e você já pode pensar em começar a expandir o seu negócio. Vamos contratar mais pastores para a igreja!!

O salário de um pastor está por volta de 3 mil reais por mês, um ótimo pagamento, sendo que ele trabalha poucas vezes por semana. Contrate três pastores profissionais para fazerem todo o seu trabalho na igreja, agora você não precisará mais comandar os cultos pessoalmente. Além disso, com esse novo pessoal, os cultos poderão ser diários e duas vezes por dia, sendo um dia manhã e noite, o outro dia tarde e noite e assim sucessivamente, com o horário previamente distribuído entre os três pastores. Apareça de vez em quando no culto do domingo para falar sobre as pessoas que mudaram de vida com a igreja (incluindo aí você mesmo), acompanhando os depoimentos semanais. Assim você não deixa de ser lembrado pelos seus seguidores sem mais ter de fazer sozinho todo o trabalho, ou a obra, no jargão crente.

Treine os pastores para que eles consigam imitar perfeitamente seus gestos e voz. Isso possui um efeito subliminar muito importante sobre os fiéis. Eles inconscientemente ficarão com a sensação de que você está sempre por perto, acreditando que você tem o dom da onipresença.

Capítulo 7 – Expandindo a igreja

As igrejas evangélicas, na falta de saúde pública na região, também curam os enfermos.

Agora você nem precisa mais bancar o pastor, pois já tem um quadro de profissionais competentes para isso, e o rebanho de fiéis cada vez mais aumenta, chegando uma hora em que o seu barracão não comporta mais todo mundo. Chegou a hora de você construir uma sede maior para a igreja. Para ter uma ideia de como é uma igreja evangélica de médio porte, faça como você já fez nas aulas teóricas: vá até uma Igreja Universal e anote toda a infraestrutura, desde o tamanho até o número de cadeiras disponíveis, a quantidade de cômodos além do auditório, incluindo secretaria e centros de atendimento aos fiéis. Nesse ponto, estimo que se passou um ano desde a fundação da igreja, e você deverá ter por volta de 100 mil reais disponíveis para erguer um templo de verdade, digno da sua ambição.

Compre um terreno próximo ao barracão clerical onde você fundou a igreja e inicie a construção do novo templo, que deverá suportar até 5000 pessoas, incluindo agora cadeiras de melhor qualidade, um altar igual àqueles usados na IURD, alguns banheiros e um setor de atendimento ao cliente. Dentro de alguns meses o complexo estará pronto, desde que você contrate uma boa equipe de pedreiros e um engenheiro confiável para a obra. A despesa da construção estará entre 100 e 200 mil reais para um templo de tamanho médio, mas se você já tem 1000 fiéis, serão 70 mil reais por mês com as ofertas, e mesmo descontando aluguel, contas e salários, sobram mais de 50 mil, portanto um ano é mais do que suficiente para angariar os fundos necessários à expansão da igreja.

Quando a nova sede ficar pronta, imediatamente transfira todas as atividades para lá, assim você não precisará mais pagar aluguel todo mês. Agora a sua igreja está bem maior do que no início, e certamente você já contratou secretárias, faxineiras e mais alguns pastores, possibilitando cultos três vezes por dia. Você já é conhecido nos bairros vizinhos também, inclusive atraindo pessoas da classe média, agora que o templo está mais sofisticado, o que significa que o dízimo só tende a aumentar.

Está na hora de criar mais algumas atrações para o seu respeitável público.


Como fundar sua própria igreja [2/4]

Capítulo 2 – Aulas teóricas

Evidentemente que, para mandar em uma igreja evangélica, você precisa ter a mínima noção de como funciona uma igreja. Mas não se preocupe: não serão necessários dez anos de seminário nem curso de Teologia para se aprender, visto que até garotinhas de cinco anos conseguem chefiar multidões de crentes. A melhor fonte para você são as próprias igrejas que já existem e fazem sucesso, como a Igreja Universal. Comece a ir em alguns cultos da IURD, veja como o pastor fala e como ele faz para convencer o povo de que o dízimo de fato está afastando delas o demônio.

À noite, em vez de cair nas baladas, assista ao programa da Igreja Universal na Record, um prato cheio de métodos e técnicas de conversão em massa de pessoas. Lembre-se de anotar todas as frases de efeito proferidas pelos pastores e todos os versículos da Bíblia citados, mas pelo amor de Deus, cuidado para você também não se converter à IURD; não se esqueça de que os traficantes nunca se viciam nas drogas.

Além de acompanhar a prática conversiva na Igreja Universal, você também deverá ter um material de estudo em casa, que não precisa ser uma Bíblia. Recomendo um daqueles caderninhos vendidos em lojas evangélicas que vêm com uma lista de versículos bíblicos prontos, e também versões da Bíblia para crianças, daquelas que são cheias de imagens e texto bem simples, que qualquer moleque entende e se converte na hora (mas você não deve se converter de jeito algum, não esqueça). Depois de alguns dias de estudo teórico, quando você se sentir capaz de enrolar algumas pessoas com um discurso messiânico-capitalista, já poderá pensar na construção do templo.

Capítulo 3 – Construindo o templo

Fachada da sua igreja.

Para ter uma igreja evangélica, é fundamental um lugar destinado às pregações. Para isso você precisa arranjar um templo onde funcionará a Igreja Multinacional da Máfia de Deus. No começo, o templo não precisará ocupar a área de um campo de futebol e/ou uma sede estadual da Igreja Universal; o tamanho deve ser suficiente para juntar de 100 a 1000 pessoas no máximo. Templos muito grandes exigem maiores despesas com aluguel e contas de água, luz e telefone e, por ora, você não pode pagar tudo isso. Alugue um barracão do tamanho de um auditório, com um banheiro no máximo (mas que seja limpo, né?), e está ótimo por enquanto. Dentro do barracão, coloque várias cadeiras plásticas de baixo custo e improvise um altar à frente, com um crucifixo de madeira (pode ser aquele da casa da sua avó) e um microfone, se possível, senão você pode simplesmente falar um pouco mais alto e pronto.

Quanto à localização da igreja, prefira sempre comunidades grandes e pobres, de preferência a maior favela da sua cidade, afinal, gente pobre é muito mais fácil de manipular, se bem que o dízimo per capita não será grande coisa, mas igreja nenhuma começou já convertendo o Kaká e a Mara Maravilha logo de cara. Além disso, se o seu público inicial for carente, ninguém vai ligar para a falta de infra-estrutura no seu barracão clerical. O seu templo não poderá dar muitas despesas iniciais, como já foi dito acima; somando aluguel e as contas de água, luz e telefone, não passe de mil reais por mês. Pelo menos você não terá de pagar IPTU, por se tratar de uma igreja.

Capítulo 4 – Convertendo os primeiros adeptos

Esse é o objetivo das suas pregações.

Depois de arranjar uma sede inicial, está na hora de arrebatar otários fiéis para a Igreja Multinacional da Máfia de Deus. Se você seguiu ipsis litteris o capítulo anterior, não será difícil arrumar gente em meio à favela que você escolheu. Basta você prometer às pessoas que a sua igreja vai tirá-las daquela pobreza toda, que só existe por causa da ação do capeta sobre elas, e na pior das hipóteses, mesmo que a maioria morra pobre, a sua igreja lhes garantirá a chegada ao Paraíso, onde nunca mais haverá privações e blablablá.

Para falar com os potenciais adeptos, espere até o próximo domingo e vá até algum ponto frequentado por toda a comunidade, podendo ser uma feira livre, um camelódromo ou o boteco da esquina, e passe o dia fazendo pregações a quem passar por lá, afirmando todas as qualidades dessa religião salvadora e omitindo os defeitos. Não se esqueça de citar vários versículos bíblicos, por isso a importância daquele caderninho comprado na livraria evangélica. Nos outros dias, tente seguir de barraco em barraco falando com os moradores da comunidade sobre a sua igreja, mas tenha cuidado para não parecer Testemunha de Jeová, apenas diga que a sua nova igreja poderá lhes dar um novo sentido à vida, acabar com o sentimento de pobreza e com certeza garantir a chegada ao céu. Também tenha cuidado redobrado em não abordar a casa do traficante da região antes de ter recolhido pelo menos alguns dízimos.

O seu objetivo inicial é converter em torno de 100 pessoas para a igreja. Consideremos que o público é pobre e a renda mensal média desse povo gira na casa de 700 reais, portanto serão mais ou menos 70 reais de cada um por mês. Haverá fiéis um pouco mais abonados, uma classe média baixa talvez, com seus 1000 reais mensais, mas também tem os que não passam de 500 contos, por isso a média 700. Com esse público de 100 crentes, a receita total será de 7000 reais, contando só os dízimos. A despesa será de cerca de 1000 reais como foi falado acima, portanto, se der tudo certo, você terá um lucro mensal de 5 a 6 mil reais no começo. No primeiro mês, é melhor você ainda continuar no seu emprego normal, para poder custear os primeiros aluguéis e contas, mas com o tempo você deverá dar total atenção à igreja, quando você puder viver dos dízimos e ofertas.


Como fundar sua própria igreja [1/4]

Recebi por e-mail esse pequeno manual.

Ele vai ser publicado em 4 partes, para ensinar você como ganhar dinheiro vendendo um produto pelo qual o cliente vai passar a vida toda pagando, mas que só vai receber depois de morto.

INTRODUÇÃO

Aleluia, irmão! Você, por meio deste livro, agora você poderá criar a sua própria igreja evangélica e ser tão poderoso quanto Edir Macedo e R. R. Soares! Basta seguir os seguintes passos:

Capítulo 1 – Nome e denominação da igreja
Capítulo 2 – Aulas teóricas
Capítulo 3 – Construindo o templo
Capítulo 4 – Convertendo os primeiros adeptos
Capítulo 5 – Cultos
Capítulo 6 – Expandindo o quadro de pastores
Capítulo 7 – Expandindo a igreja
Capítulo 8 – Atividades extras
Capítulo 9 – Abrindo filiais
Capítulo 10 – Arrebatando a mídia (Pequenas igrejas, Grandes negócios)

Capítulo 1 – Nome e denominação da igreja

Para iniciar a sua igreja protestante (que é sinônimo de evangélico se você não sabia), antes de mais nada você deve escolher o tipo de protestantismo a ser seguido. São muitas opções: Igrejas Luteranas, Batistas, Metodistas, Presbiterianas, Anglicanas, Biscaterianas e o diabo a quatro, mas a opção de longe mais recomendada são as igrejas pentecostais, que fazem um sucesso imenso no Brasil e não têm a obrigação de se pautar nas regras da Reforma Protestante, que crente nenhum faz questão de conhecer. Ou, melhor ainda, siga a linha neopentecostal, que é igual aos pentecostais, com a diferença de que as pessoas não podem ver televisão à vontade e as mulheres precisam usar aquelas saias horrorosas e deixar o cabelo descuidado.

Agora escolha qual será o nome da sua igreja. Isso não será difícil; basta você usar a sua criatividade. Uma boa fórmula é começar o nome por Igreja, acrescentar um adjetivo enaltecedor, com o objetivo de passar uma ideia de abrangência, e, por último, um sinônimo para o lugar em que Deus vive, ou pelo menos que a maioria da população acredita ser o tal lugar. Também pode ser qualquer outro lugar bíblico, como por exemplo o Monte Sinai ou a muralha de Jericó. Abaixo segue um esquema:

Igreja + Adjetivo + do(a) + Substantivo + de Deus

Variantes sugeridas para o adjetivo:

Universal
Internacional
Interdimensional
Galáctica
Mundial
Intercontinental
Multinacional
Sensacional
Piramidal
Hexagonal
Maioral
Procedural
Carnal
Dodecagonal

Variantes sugeridas para o substantivo:

Reino
Graça
Universo
Poder
Empresa
Ordem
Máfia
Praça de Pedágio
Quadrilha
Patota
Turminha
Buraco
Suvaco
Barraco
Galáxia
Império

Para fazer exemplos, vamos pegar três modelos já existentes e adicionar alguns dos itens acima e criar alguns nomes de igrejas neopentecostais:

Igreja Universal do Reino de Deus
Igreja Internacional da Graça de Deus
Igreja Mundial do Poder de Deus

A partir destes três e dos itens sugeridos acima:

Igreja Galáctica do Universo de Deus
Igreja Intercontinental da Ordem de Deus
Igreja Multinacional da Máfia de Deus
Igreja Sensacional do Pagode de Deus
Igreja Carnal do Suvaco de Deus
Igreja Dodecagonal da Patota de Deus

Se você quer modelos mais sofisticados, também é possível substituir Deus por outras variantes bíblicas, mas aí não há uma receita de bolo. Mesmo assim darei alguns exemplos mais avançados:

Igreja Interdimensional da Praça de Pedágio da Muralha de Jericó
Igreja do Santo Dízimo de Cristo
Igreja da Mina de Ouro no Monte Sinai
Igreja de Jesus Cristo e Maria Madalena no Barraco de Deus
Igreja do Santo Dinheiro de Wall Street

Perfeito, a nossa igreja evangélica já tem um nome agora. Para ilustrar melhor este livro, usaremos o nome Igreja Multinacional da Máfia de Deus a partir deste ponto. O próximo passo é aprender como que se comanda uma igreja crente.

dinheiro-pastor-evangelico

Não te ofenderás em vão

Ninguém jamais saberá o que Jesus escreveu na areia, mas, se você quiser saber qual a “Política de Conduta” do DeusILUSÃO, basta clicar na imagem:

jesus

Prepara-te

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Esteja preparado para quando os seus sonhos virarem pó; mas esteja ainda mais preparado para o caso de um deles se tornar real.

7 mitos sobre Deus (Pt 2) [Republicação]

Para a autora de The Case for God, traduzido na matéria por “Uma defesa para Deus”:

“Religiões nos ajudam a lidar com os aspectos da vida para os quais não existem respostas fáceis: a morte, a dor, o sofrimento, as injustiças da vida e as crueldades da natureza.”

Primeiro que a natureza não pratica nenhum tipo de “crueldade”. Para ser ainda mais preciso, a natureza nem mesmo “pratica” nada. Esse tipo de personificação anacrônica seguramente depõe contra a inteligência de quem a evoca.

Segundo: morte, dor, sofrimento e injustiças são inerentes à vida e é possível analisar e entender essas coisas de uma forma perfeitamente racional, sem recorrer a um sem-número de explicações infundadas elaboradas por pessoas que não tinham como saber mais sobre tais temas do que você mesmo sabe.

Na continuação da reportagem, são apresentados um católico, um muçulmano, um evangélico, um judeu e um budista, cada um respondendo a uma proposição. Na primeira, “Deus está morto”, o líder de uma comunidade islâmica afirma que “a crença em Deus é um acessório original de fábrica do ser humano”, o que me fez enviar um comentário sobre a matéria para o site de Época questionando se o representante da religião muçulmana não estaria se referindo a Alá, pois, até onde eu sei, Deus e Alá não são o mesmo deus. Enquanto a língua “oficial” de Alá é o árabe, a de Deus é o hebraico e o aramaico; Alá ditou o Corão de uma vez só para o seu único profeta Maomé, e Deus mandou um monte de gente, ao longo de uns dois mil anos, escrever sua Bíblia; Deus é Pai, Filho e Espírito Santo, enquanto Alá é único; o paraíso de Alá, com suas 72 virgens para mártires, é bem mais quente e sensual do que o do deus cristão, que parece que não vai permitir sexo por lá, tornando qualquer apelo envolvendo virgens completamente sem sentido. Essas são as diferenças que o meu limitado conhecimento conseguiu reunir; talvez haja outras.

Mas a frase do mulçumano não é um exemplo de desonestidade intelectual explícita tão grande quanto a do representante católico, secretário-geral da CNBB, citando uma passagem de uma encíclica de João Paulo II: “Fé e razão são duas asas pelas quais o entendimento alça voos em busca da verdade”. Poderia haver uma comprovação maior de que a mente religiosa é essencialmente desonesta? Quem tem fé não busca nenhuma verdade, pois ter fé é justamente sustentar que algo em que se acredita sem nenhuma evidência, ou até mesmo com evidências em contrário, já é a verdade.

O autor da reportagem fecha a matéria com o que ele considera uma das mais belas e claras passagens do livro, em que a autora delimita os campos de atuação da fé e da ciência:

“A razão pode até nos curar do câncer, mas não nos ensina a agir ao receber seu diagnóstico nem nos ajuda a morrer em paz.”

Ok. Por isso eu devo esperar que um cristão que seja diagnosticado como portador de um câncer incurável receba a notícia de uma forma diferenciada, e viva seus últimos dias na Terra com a paz serena proporcionada pela “certeza” de que irá, muito em breve, desfrutar de uma outra vida muito melhor no Paraíso.

No mundo em que eu vivo, as coisas não são assim não.



7 mitos sobre Deus (Pt 1) [Republicação]

A revista Época dessa semana trás essa matéria de capa sobre o livro The Case for God, da escritora inglesa e ex-freira católica Karen Armstrong, que tem previsão para ser publicado no Brasil no fim do ano que vem.

Segundo o autor da matéria, o livro faz parte de uma nova onda que “tenta revidar os ataques do grupo de pensadores conhecido como ‘os novos ateus’” (referindo-se a Dawkins,  Hitchens e outros) e “faz o melhor contra-ataque às teses do grupo”:

“Como os fundamentalistas religiosos, eles [os ateus] infantilmente concebem Deus como um ser poderoso que os homens não conseguem enxergar.”

Essa citação é um exemplo mais do que contundente da desonestidade por trás da mente religiosa e essa ex-freira certamente vai tratar o assunto desse modo ao logo do livro: ela simples e descaradamente —  como se ninguém fosse notar — quer vender a ideia de que ateus “concebem Deus como um ser”. Se eu concebesse Deus como um ser, eu não seria ateu.

Mais à frente, o autor da reportagem parafraseia outro trecho do livro:

“Mas o avanço da ciência, a partir do Iluminismo, cerceou nossa mente e restringiu seu alcance a fatos empiricamente comprováveis.”

Nisso eu sou obrigado a concordar com a autora do livro. Uma mente inserida num universo onde existem bruxas, fantasmas, demônios, anjos, milagres e deuses, é uma mente que tem consciência de um universo bem maior do que aquele que a minha própria mente pode conceber. Isso é fato.

Eu não temo demônios, por exemplo, porque, no meu universo, eles não me afetam nem se mostram, logo, eu não tomo conhecimento deles. Mas, se há quem os tema por percebê-los, é óbvio que essa pessoa vive num universo um pouco mais abrangente do que o meu.

Felizmente, entretanto, as “criaturas” que habitam esse universo mais amplo parecem não ter livre acesso ao universo ateu, mais restrito. E isso, segundo a autora, tem um motivo, ou, antes, uma culpada: a ciência.

“A ciência suprimiu um dos ingredientes mais relevantes da fé: o mito, a capacidade humana de, por assim dizer, vislumbrar o inconcebível.”

Não sei se a tradução foi feita corretamente, mas a palavra “mito” parece ser um ligeiro deslize de honestidade no meio da argumentação desonesta da autora. Isso poria o deus cristão no mesmo nível do deus nórdico Odin e, certamente, não seria essa a intenção dela. E “vislumbrar o inconcebível” poderia ser facilmente entendido como “delirar”.


O rei dos reis [Republicação]

 rei dos reis

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As pessoas frequentemente puxam minhas orelhas por eu manter um blog aparentemente com a única finalidade de ridicularizar a religião. Eu sempre respondo que essa não é a “finalidade” do blog (pelo menos não seria a única), e que a religião é ridícula por si só: eu só aponto o livro, capítulo e versículo.

Entretanto, como os crentes já não leem mesmo a Bíblia, e cada vez mais eles tentam propagandear a ideia de que Deus está para além dela, eu me peguei pensando o que sobraria para eu ridicularizar se os cristãos abandonassem de vez seu livro sagrado.

Não foi difícil achar um substituto: as idiotices que os crentes falam uns para os outros.

“Jesus está voltando”. Que ótimo! Mas diz também de onde ele está voltando, e o que ficou fazendo lá esse tempo todo… Aqui eles engasgam, porque a resposta envolveria a noção de um Big Brother em escala cósmica.

Os crentes também compartilham tais tolices com ateus, mas com menos frequência e empolgação. Eu, por exemplo, quando sou lembrado de que “Jesus me ama”, costumo responder da forma mais educada que a situação exige, no tom de voz menos beligerante possível: “Foda-se”. Mas não é um “foda-se” agressivo, nem desrespeitoso. É mais um “foda-se” retórico, porque não há mais nada que se possa dizer em resposta a uma afirmação tão imbecil como essa.

Há inúmeros epítetos com os quais o cristão se refere ao seu deus Jesus, todos eles totalmente sem sentido, questionáveis e ridículos por excelência. Jesus é o “rei dos reis”, o “médico dos médicos”, o “príncipe da paz”, o “senhor dos exércitos”, a “luz do mundo”, “o caminho, a verdade e a vida”, e por aí afora. Por que diabos um “príncipe da paz” estaria comandando exércitos? 

Você não me aceita como seu senhor, salvador e deus pessoal? Então é porque tá querendo criar tumulto. Meu exército já sabe o que fazer com você.

Jesus é o caminho, a verdade e a vida. Caminho para…?, alguém quer saber. Para a eternidade no Paraíso; um lugar mágico muito legal para onde você vai depois de morrer. Ok. E como ele tomou conhecimento disso? Está na Bíblia! O mesmo livro que relata diálogos de uma cobra e uma jumenta com seres humanos? Pois é: é esse aí.

Jesus é a verdade. Ora, mas até hoje ninguém sabe que verdade seria essa, porque nem o próprio emissário soube explicar nada direito. De fato, Jesus mais complicou as coisas do que explicou. Por exemplo: os judeus tinham lá seus mandamentos que, bem ou mal, dava para seguir ou saber com certeza quando não se estava seguindo. Daí que veio Jesus dizer que, para se livrar de uma punição eterna e entrar no Paraíso, era preciso amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo. Duas coisas impossíveis de se fazer.

Jesus é a vida. Talvez uma alusão ao fato de que você seria apedrejado até a morte se não desse a senha certa, quando alguém perguntasse em que deus você acreditava.  

 

 

“A palavra”

a palavra

 

Os crentes leem “a palavra”. Pregam “a palavra”. Consideram “a palavra” sagrada porque é “a palavra” de Deus. E “a palavra” é a Bíblia.

Mas para agirem assim, eles entendem a Bíblia — ‘os livros’, em latim — como um todo: o livro. Portanto “a palavra” de Deus é “o livro”. Uma coisa macro. Não vai adiantar nada apontar detalhes.

Deus só está nos detalhes quando convém. Ou nos detalhes que convêm.

Se você quiser saber se eles realmente estão querendo dizer que acreditam que uma cobra convenceu uma mulher a cometer um pecado; ou quando você mostra tal e tal contradição, tal e tal erro histórico, ou tal e tal absurdo, que seria absurdo em qualquer época ou em qualquer mundo, o crente vai sempre alegar que esse detalhe é uma alegoria, ou apenas um erro dos seres humanos falhos que Deus usou para escrever sua “palavra”. E esta, como um todo, permanece válida, perfeita e imutável.

Uma vez tive a coragem de perguntar a um amigo religioso como ele diferenciava o que era alegoria do que não era. Ele disse que o Espírito Santo iluminava a pessoa que lia a Bíblia com a intenção de entender “a palavra” para que ela própria fizesse essa diferenciação. Eu perguntei: O mesmo Espírito Santo que “iluminou” os que escreveram os textos? Se ele não conseguiu fazer com que os autores dos livros sagrados evitassem misturar sua natureza humana falha na hora de escrever, o que garante que não vai ocorrer o mesmo com os que vão lê-los? Meu amigo não me respondeu porque ficou muito aborrecido com a minha ignorância acerca dos desígnios divinos que, pelo que entendi, ele conhecia bem.

Eu, no lugar de Deus, se tivesse criado uns tantos bichinhos de estimação que já estariam, desde o nascimento, condenados ao Inferno que eu construí para os que não seguissem as minhas regras, acharia bem mais justo que eles soubessem que regras seriam essas através de um livro sagrado onde elas ficariam bem claras: “Quero isso assim, não assado.” E qualquer trecho que os meus robozinhos azarados lessem da minha Bíblia não iria mostrar nada dizendo o contrário. Chamo de “robozinhos” porque eles teriam que seguir à risca as minhas regras; senão, eu os lançaria no Inferno onde haveria pranto e ranger de dentes. E “azarados” porque essa seria a única opção.

Bom, pelo menos eu seria um deus bem mais honesto do que o Deus cristão: o que estivesse escrito no meu livro sagrado seria o que eu queria dizer. Nada de alegorias; nada de pegadinhas; nada de contradições. Se eu dissesse que quem trabalhasse no sábado deveria ser morto a pedradas, era assim que teria que ser. Sempre. Ninguém diria nada em contrário, nem eu mesmo se me transformasse no meu próprio filho. E se ele, por acaso, tivesse falado demais e prometido que voltaria da morte trazendo todo o seu reino ainda no tempo de vida daqueles que o ouviam, eu, como Pai, teria mantido a promessa. Teria antecipado o Juízo Final em 2 mil anos e resolvido tudo de uma vez. Não teria, de forma alguma, corrido o risco de ninguém ter percebido o óbvio: que se não aconteceu como o filho de Deus anunciara, só poderia ter sido porque deveria haver, dentre eles, um imortal.

Mas mesmo a Bíblia estando cheia dessas contradições, desses erros e desses absurdos, esse tipo de coisa não abala o crente, não perfura a blindagem da sua fé. Porque são apenas detalhes. E tão pequenos e sem importância que nenhum padre ou pastor dá atenção a eles. E “a palavra” permanece divina, sagrada, absoluta e perfeita. Mesmo que, nos detalhes, ela seja apenas ridícula.

O símbolo macabro do cristianismo [Republicação]

Crucificação vem do latin crucifixio [crux = cruz + o verbo figere = fixar, prender].*  Foi o método de execução adotado pelo império romano, para punir crimes cometidos pelos escravos, desde o século seis antes de Cristo até o ano de 337 da era cristã, quando o imperador Constantino I aboliu esse tipo de execução, justamente por causa da veneração bizarra que um número crescente de seguidores de uma nova seita passaram a demonstrar por esse horripilante instrumento de tortura.

A pena de morte por crucificação era uma punição duríssima, pois a sentença antecipava ao réu não só que ele perderia a vida, mas que a sentiria se esvair lentamente, até o ponto em que seu corpo não conseguisse mais suportar justamente aquilo que todo organismo mais evita: a dor. E não seria uma dor inesperada e letal, mas uma dor agendada, que, uma vez tendo início, seria constante, inimaginavelmente intensa e deliberadamente infligida por mãos adestradas na técnica de impor o máximo de sofrimento pelo maior tempo possível.

O processo de execução começava com o criminoso sendo despojado de suas vestes e preso a uma coluna, para ser submetido ao flagelo, que era o açoite feito com um chicote especialmente confeccionado para esse fim. Depois o condenado era amarrado de braços abertos a uma cruz de madeira (ou a uma árvore), onde era deixado para morrer. Ali, enquanto sentia por todo o corpo a dor excruciante que o flagelo lhe havia causado, o enfraquecimento provocado pela perda de sangue e pelo sofrimento prolongado fazia o crucificado esmorecer sobre suas pernas presas e, não mais podendo suster-se de pé na cruz, ficar completamente pendurado pelos braços, com o peso do corpo a comprimir-lhe o diafragma, até não mais conseguir manter a respiração e morrer por asfixia.

As execuções tinham início no meio da tarde e se estendiam até o pôr-do-sol, uma vez que, como ditava a tradição, o executado não poderia permanecer na cruz durante a noite, pois acreditava-se que isso contaminaria a terra com a maldição que havia caído sobre o morto. Quando ocorria do crucificado ainda estar vivo pela hora do crepúsculo, os soldados romanos lhe quebravam as pernas para acelerar o processo.

A crucificação raramente era feita pregando-se o réu à cruz, mas quando esse sofrimento adicional lhe era imposto, fazia-se necessário providenciar um apoio em que o crucificado pudesse se manter sentado. Não fosse esse artifício, a morte viria rápida demais e a punição seria considerada branda. Tendo o peso do corpo sustentado por esse tipo de banquinho, o expediente de quebrar as pernas do criminoso para acelerar a morte por asfixia não surtia efeito. Assim, no caso de chegar a noite, o condenado que ainda resistisse vivo era violentamente espetado por espadas e lanças, ali mesmo na cruz, até que parasse de se estrebuchar a cada nova estocada, o que atestaria a sua morte.

Se Jesus Cristo foi mesmo executado por crucificação há dois mil anos, três coisas podem ser ditas seguramente sobre ele.

A primeira, que ele deve ter cometido um crime compatível com a sentença de morte recebida, o que, obviamente, foi omitido dos textos sagrados do cristianismo. Blasfêmia, por dizer-se filho de Deus ou por ameaçar o poder e posição dos sacerdotes e fariseus, não seria motivo suficiente para ser morto por crucificação, visto que Jesus estaria afrontando a lei dos hebreus, não a de Roma; e o governador local não iria querer gastar o seu latin com um bando de arruaceiros de um povo subjugado reclamando que alguém havia blasfemado contra o Deus deles. Os romanos, que tinham dezenas e dezenas de deuses, talvez mesmo só tivessem ficado perplexos ante a falta de fé que aquela gente demonstrava em relação ao seu próprio Deus, não deixando nas mãos dele a vingança pela blasfêmia recebida, como eles, certamente, teriam deixado.

A segunda, que ele sofreu de uma forma inimaginável antes de morrer. Eu, particularmente, lamento muito por ele e pelo fato de nossa espécie ter cometido, como ainda comete, tantos atos de barbárie contra si, e mesmo contra outras formas de vida.

E a terceira, que, independentemente do que Jesus achava que era, ou do que as pessoas que escreveram os Evangelhos achavam que ele era; independentemente do que tenham escrito, dezenas de anos depois, sobre o que ocorreu após sua morte, Jesus de Nazaré morreu naquela cruz e ainda continua morto.

É certo, também, que é impossível ignorar a multidão que diz esperar a volta do mais famoso finado de que se tem notícia. A esses eu só tenho uma coisa a dizer: vão continuar esperando.



*Fonte: Wikipedia.

“Minha Deusilusão”, by Irineu Costa Junior

 

Irineu Costa Junior

 

O Autor:

Ex-fanático religioso (evangélico por cerca de 30 anos), hoje ateu militante contra as religiões, igrejas, líderes religiosos e superstições em geral, a favor e defensor da ciência, da lógica, da razão e do bom senso.

Irineu Costa Junior é autor do bloghttp://irineucostajunior.wordpress.com

 

 

Cerca de 30 anos de minha vida foram futilmente desperdiçados em favor da religião; mais especificamente, do cristianismo!

É incrível como a gente, enquanto está lá dentro, envolvido com tudo, engajado, não consegue perceber a lavagem cerebral, o apelo ao emocionalismo, o controle e a manipulação! É tudo muito sutil, imperceptível!

E só depois de sair, e olhar de fora para dentro, é que nos apercebemos disso.

Enquanto se está lá dentro, questionar, duvidar, contestar, procurar evidências e usar a razão e o bom senso, são atitudes vistas com maus olhos pelos demais, principalmente pelos da liderança. Os que assim procedem são vistos como “crentes fracos”, “de pouca fé”, crentes “São Tomé”, problemáticos, presas fáceis do “inimigo” para serem levados à apostasia e à “perdição eterna”.

Aliás, quando se está lá dentro, na verdade nem permitimos que tais coisas passem pelo pensamento, pois a pressão psicológica pelo sentimento de estarmos desagradando (ou até desafiando) a Deus por nossa falta de fé (“sem fé é impossível agradar a Deus” – Hebreus 11:6) e que podemos estar seguindo num caminho rumo a heresias nos bloqueia. Eis o motivo porque pouquíssimos conseguem se libertar e sair, chegando à luz da razão.

Virtuosos, ó sim, para eles, são aqueles que de nada duvidam, aceitam tudo sem qualquer prova ou evidência, sem contestar, nunca fazendo uso da razão e do bom senso, por mais ilógicas, infundadas e até absurdas que as coisas que lhes são impostas possam parecer; se submetendo a tudo aquilo pacificamente, como cordeirinhos, que creem ser a Bíblia a “palavra de Deus”, que tudo lá escrito deve ser tido por literal e que nela não há falhas, nem erros, nem contradições ou incongruências.

Estes, evidentemente, são os que “agradam a Deus” (entenda-se “agradam os líderes”): não causam problemas, são facilmente manipuláveis e deixam-se explorar financeiramente. Os “verdadeiros fiéis”!

Vivi assim, como um zumbi, muito atemorizado e submisso, boa parte daqueles meus 30 anos, até que comecei a pensar, averiguar e pesquisar, a me libertar dos dogmas, coisas que são mais atinentes aos “hereges” e terminantemente proibidas aos “crentes fiéis”.

Nesse espírito, pude, enfim, aos poucos, entender que ela, a Bíblia, nada tem de “palavra de Deus”, sendo pura expressão de pensamentos e divagações de homens falhos, limitados, supersticiosos, preconceituosos e com restritos conhecimentos científicos, comuns às pessoas de suas épocas.

Na verdade, pude ver (como qualquer um que também se disponha a ver, verá) que ela, de capa a capa, está, sim, repleta de falhas, erros, contradições e incongruências. Que também está cheia de injustiças, imoralidades, genocídio, infanticídio, misoginia, machismo, homofobia, sadismo, racismo e malevolência, sendo, no todo, deplorável como instrumento de exemplo e ensino.

A Bíblia: palavra de Deus? 

Ironicamente, um outro cristão (muito, muito  crente, hoje pastor), irmão de fé, sem qualquer intenção nesse sentido, foi quem me despertou para iniciar meu aprofundamento na investigação que culminou, muitos anos depois, com a minha “apostasia”.

Ainda neófito, numa visita que lhe fiz, citou ele, dois textos bíblicos problemáticos, o que, até então, eu completamente desconhecia:

1)  Na versão revista e atualizada da Bíblia Ferreira de Almeida, no livro de Salmos, capítulo 8, versículo 5, lê-se: “Contudo, pouco abaixo de Deus o fizeste; de glória e de honra o coroaste”. Isto está em evidente contraste com o mesmo texto na versão revista e corrigida, bem como com Hebreus 2:7, onde, em lugar de “Deus”, lê-se “anjos”. Ora, “Deus” e “anjos” são coisas notória e indiscutivelmente diferentes!

2)   No livro de Atos, capítulo 7, versículo 2, lê-se:

“Estêvão respondeu: Irmãos e pais, ouvi. O Deus da glória apareceu a nosso pai Abraão, estando ele na Mesopotâmia, antes de habitar em Harã …”. Porém, o livro de Gênesis (11:31 a 12:1) relata o acontecidodepois de ele habitar em Harã!

Logicamente, aquele irmão não admitia haver erros ou contradições na Bíblia, e usava, como todos, de recursos desonestos para harmonizar os textos, não aceitando, em hipótese alguma, que pudessem existir falhas na “perfeita e infalível palavra de Deus”.

Na explicação dele, a palavra “anjos”, de Salmos 8:5, seria uma tradução interpretativa errônea da palavra “elohim” (Deus) na Septuaginta, versão grega do Velho Testamento, em hebraico, na qual se baseou a Bíblia revista e corrigida, bem como o autor de Hebreus. A tradução correta seria, mesmo, “Deus”.

Quanto aos outros dois textos de Atos e Gênesis, de forma desonesta, para harmonizá-los e não admitir a falha,  explicou que Abraão, na realidade, deveria ter tido duas chamadas, uma antes e outra depois de habitar em Harã.

Investigando, aos poucos fui percebendo que tais erros e contradições são comuns, ocorrendo com frequência em toda a Bíblia, fato que os cristãos não querem enxergar e, muito menos, admitir.

(Sobre o assunto, ver http://www.irineucostajr.vacau.com/religião.htm/#erros)

Como pode um livro com tão evidentes falhas e contradições ser aceito como emanado de uma divindade supostamente perfeita, zelosa e infalível, e, literalmente, servir como “manual” para direção de nossas vidas?

A partir disso, pude ver que a Bíblia é, de fato, palavra de homens que, na maioria das vezes de forma bem intencionada (em outras, nem tanto), deixaram registrados seus conselhos e experiências, baseados em suas crenças pessoais, influenciados pelos costumes, conceitos e preconceitos comuns às suas épocas, mas que também foi desonestamente aditada e adulterada no decorrer dos tempos.

Isto posto, podemos entender perfeitamente o porquê da inferioridade das mulheres, do preconceito contra homossexuais e da aceitação do escravagismo na Bíblia.

Depois disso, mesmo vendo a Bíblia com outros olhos, não a aceitando mais literalmente como “regra de fé e prática”, nem como “palavra de Deus”, mas apenas como um livro de conselhos e autoajuda, continuei cristão por muito tempo.

Assim, antes de romper completamente com o cristianismo, por um bom tempo passei a crer que, como Deus certamente não poderia usar um meio tão falho e frágil para expor sua vontade aos homens, esta deveria, então, por lógica, ser revelada a nós de forma transcendental, pelo contato pessoal com ele através da oração e meditação.

A minha “apostasia” e libertação

Durante esse tempo, continuei participando ativamente e com dedicação das atividades da igreja nas áreas da música e do ensino, sempre tomando cuidado em não expor minhas “convicções rebeldes”, a fim de não ser motivo de escândalo.

Mas, à medida que me aprofundava em meus estudos e investigações, aumentava a minha revolta contra o cristianismo, as igrejas e as religiões em geral, ao ver o radicalismo e a manipulação do povo pelos líderes, em especial na questão do dízimo.

Para mim, à luz dos próprios textos bíblicos relativos ao tema, tanto no Velho como no Novo Testamento, não havia a menor sombra de dúvida de que essa prática teria valido unicamente para o povo judeu, por determinação da lei mosaica, e nunca para a igreja gentílica.

(Sobre isso, ver http://www.irineucostajr.vacau.com/religiao.htm#dízimo)

A partir disso, eu considerava muito mais ético e correto a contribuição espontânea, sem constrangimento, de valor livre, definido pela própria pessoa de acordo com a sua vontade e possibilidades, em lugar do percentual fixo, imposto, obrigatório, o que, a meu ver, não coadunava com o espírito implícito no Novo Testamento (2 Coríntios 9:7).

Mas, logicamente, isso não atenderia aos interesses da grande maioria dos líderes, aqueles que, embora aleguem possuir fé na providência divina (Mateus 6:25-33), na verdade almejam uma segurança material ou, em vários casos, até mesmo o enriquecimento às custas do rebanho, pela exploração de sua ingenuidade (Ezequiel 34:2-6).

Esses líderes – me referindo aos de boa fé – , em algum momento de suas vidas, foram, assim como eu e todos os demais crentes, iludidos e fascinados pela falsa esperança do evangelho em sua promessa de vida eterna, de um lugar melhor, maravilhoso, de uma existência sem sofrimento e de pura felicidade, a tão sonhada Shangri-La. E, por uma obrigação que lhes foi imposta, continuando a movimentar o círculo vicioso existente, passam a incutir essa ilusão nas mentes de outros, tudo isso numa clara fuga à nossa realidade de uma vida com sofrimentos e da certeza da morte.

Ao final, eu, após todos aqueles longos anos de estudo, investigação e meditação, com minhas convicções já bem fortalecidas, estando bem embasado nas conclusões a que cheguei com respeito à fé cristã e ao Deus criado por homens apresentado na Bíblia, como não poderia deixar de ser, sem qualquer arrependimento, abandonei completamente tudo aquilo, após o que me senti grandemente aliviado e satisfeito, como quem se livra de um fardo.

Com clareza, percebo perfeitamente, agora, que a fé cristã é, na realidade, uma escravidão voluntária velada, um grande engodo, uma utopia. Que a alegria que proporciona é igualmente falsa e que não existe a tão aclamada “liberdade em Cristo” (a fé aprisiona; o conhecimento liberta!), sendo, em verdade, tudo isso, puramente ilusório, fruto de nossos mais ocultos anseios e esperanças de uma vida de completa felicidade e do temor ante a morte certa.

 

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Irineu Costa Junior  é leitor do blog, e resolveu compartilhar sua “deusilusão”, assim como já fizeram outros leitores:

Deus está nu

A fé religiosa é um estado hipnótico que é mantido e reforçado pela percepção dos efeitos que essa hipnose causa na coletividade. Como eu escrevi na segunda parte de Deus, Alice e a Matrix“Uma pessoa isolada chegaria sozinha à conclusão de que suas orações são inúteis”. A fé individual se alimenta da fé social. A convicção inabalável de que existe um Deus se sustenta na constatação de que uma multidão está inabalavelmente convencida de que existe um Deus. É o círculo vicioso e viciante em que cada nova geração se descobre inserida tão logo desembarca nesse planeta.

Mas tudo não passa de fingimento. Do tipo daquele que os súditos demonstraram com relação à roupa invisível do rei: o fingimento coletivo. O mesmo que os cristãos exibem quando dizem que sentem amor por Deus; quando dizem que suas orações são atendidas, que Deus os escuta e os protege; quando dizem que seguem as suas leis e os seus ensinamentos; e quando fingem um sem-número de outras coisas, e propagandeiam isso tudo nos seus cultos, nas suas missas, nas suas procissões, de forma que os outros viciados se sintam à vontade para mentir também as mesmas mentiras e, assim, não se sentirem excluídos, ou, pior, menosprezados pelos demais.

É um sistema poderoso e, quanto a isso, não há dúvida. Não é à toa que ele se mantém há tanto tempo, e não se pode ainda fazer a menor previsão de quando vai começar a desmoronar sob seu próprio peso. Mas esse dia vai chegar. Inevitavelmente. A ignorância é a matéria-prima da fé, e a tendência é que a humanidade se torne cada vez mais instruída. E já hoje as denominações religiosas estão se fragmentando de tal modo que isso talvez venha a ser o primeiro sinal da própria ruína da religiosidade, ou o ponto de partida para uma mudança de foco.

Talvez chegue o tempo em que os cristãos, por exemplo, vão perceber que tudo o que o Deus deles consegue fazer é inspirar a criação de igrejas com nomes ridículos, cuja função primordial é encher os bolsos dos seus fundadores. Talvez, um dia, eles passem a enxergar o seu “templo” como de fato ele é — um clube temático — e continuem indo lá, todo fim de semana, mas para se divertir, cantar, paquerar, interagir em sociedade, meditar. E, enquanto esse dia não chegar, os crentes — então cada vez menos crentes — permanecerão migrando de uma denominação caduca para uma recém-criada, talvez na esperança de que essa nova consiga ainda mantê-los sonhando.

Por ora, eles só estão incomodados porque ouvem, cada vez com mais frequência e cada vez mais de perto, pessoas dizerem que o Deus que eles afirmam seguir não existe em lugar nenhum. Nem mesmo na Bíblia, porque o Deus da Bíblia não aparece vestido com esse manto de bondade, amor e justiça que eles dizem enxergar. Os cristãos estão incomodados porque passaram a conhecer um crescente número de pessoas que não aceitam participar dessa brincadeirinha imbecil criada muitos milênios atrás. E, por conta disso, estão cada vez mais e mais empenhados em proteger sua fé, tentando isolar física e acusticamente os seus fiéis do alarido que essas crianças insolentes estão fazendo, apontando que o Deus deles está nu.

Ateus estão se tornando cada vez mais comuns nas sociedades. E, diferentemente de mim, pessoas poderosas, inteligentes, carismáticas estão se fazendo ouvir, estão fazendo valer sua influência para impedir que esse estado alucinatório promovido pela crença numa fantasia tome conta de tudo, ou pelo menos, estão fazendo o possível para que cada vez mais pessoas despertem desse sonho não só inútil, como também altamente danoso.

“Ateus praticantes” já se mostram na tevê, são assediados pela imprensa, são comprados nas livrarias, dão aulas nas universidades, sentam-se do seu lado nos cinemas, comparecem a festas de aniversário. Eles estão por aí, mas apenas para lembrar-lhe, crente amigo, que você está fingindo que vê algo que não vê — assim como finge amar esse Deus que você não ama —, pois o que você diz que vê simplesmente não está lá: é apenas uma ilusão da sua cabeça, induzida pela sociedade em que você vive.

Como sabemos que “a voz da razão é suave, mas persistente”, é isso o que nós vamos lhe dizer em resposta às suas declarações hipocritamente infundadas, e aos seus gritos histéricos de “Aleluia”.

Mas só isso.

Nós não apedrejaremos ninguém; não atearemos fogo às suas mesquitas, às suas sinagogas, às suas igrejas, aos seus galpões convertidos em bocas de culto. Não incineraremos os seus livros, nem os seus líderes. Nós não lançaremos aviões contra arranha-céus, não empreenderemos nenhuma Cruzada, não degolaremos dissidentes, não iniciaremos nenhuma Guerra Santa, não instauraremos nenhuma Inquisição… Porque não há a menor necessidade disso. E mesmo que houvesse, seria inútil. E mesmo que não fosse, não somos esse tipo de gente.

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 << Deus está nu [Versão Completa]


Política de Conduta do DeusILUSÃO

 política de conduta

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Em 25/08/2014 10:38  Irineu Costa Junior escreveu:

Caro Barros,

Para seu conhecimento e como crítica construtiva, venho relatar minha infeliz experiência em minha participação no fórum “Jesus está voltando“.

Como já havia dito no post, o nível de alguns comentários é baixíssimo, ofensivo e de cunho pessoal, como no caso específico do André. E vê-se que muitos dos participantes entram na dele, rebaixando-se e respondendo no mesmo nível.

Como o André deixa transparecer em seus comentários, não parece haver real interesse dele em defender os papas, ou a fé católica, ou mesmo o cristianismo, mostrando ser apenas elemento polemizador e agitador para – como ele mesmo afirma – “dar audiência” no blog, sendo que, para tanto, usa de falsidade, fato que eu relatei no post mas ninguém sequer se dignou a “dar bola”.

No mínimo, entendo que ele deveria ser severamente advertido por sua conduta imprópria e, caso persistisse, ter seus comentários bloqueados, ou, até mesmo, a sua participação proibida.

Para mim (e espero, sinceramente, que você concorde), é essencial o respeito, a seriedade, a franqueza e o bom nível de tratamento e relacionamento entre os participantes, e não o uso de artifícios do tipo para “incentivar” a participação.

À vista disso, venho reclamar providências de sua parte, como administrador do blog, para que sejam, de alguma forma, sanadas essas pendências apontadas, demonstrando, assim, que não há conivência ou anuência sua neste quesito específico, pois, quanto a mim — não sei se para você é importante ou não a minha participação — , deixo registrada minha indignação e falta de desejo e incentivo em continuar a participar.

Atenciosamente,
Irineu Costa Junior

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Em 25/8/2014 13:00, DeusILUSÃO escreveu:

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Olá, Irineu.
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Sua participação é importante nos comentários, seja discutindo os meus textos ou apenas debatendo sobre religião, que é o tema do meu blog. Também acredito que o respeito e a seriedade são fundamentais para se manter um bom nível de qualquer debate. Justamente por isso, eu não debato com qualquer um.
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Como você já sabe, no blog não há moderação de comentários. E não tenho “funcionários” para analisar cada frase de cada texto para verificar se é ou não potencialmente ofensiva a quem quer que seja. Espero que entenda esse ponto. Mas se eu observasse, por exemplo, que um participante publica, repetidas vezes, comentários sem nenhuma relação com os temas propostos, sendo apenas gratuitamente ofensivo, fazendo uso de palavrões, etc., pura e simplesmente por causa de não haver moderação, aí certamente aquele participante seria bloqueado, tal e qual o site já faz automaticamente com qualquer spam.
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Nos demais casos, como é o caso em pauta, eu prefiro deixar que os próprios participantes percebam que não vale a pena discutir com uma pessoa específica, e, como sempre acontece, aquela pessoa acaba por não voltar mais. Mas se os demais participantes dão e continuam dando atenção a um comentarista em particular (como é o caso com o André), e continuam a discutir com ele, não vejo por que tenha que ser eu a me intitular o baluarte da moral e dos bons costumes só por ser o administrador do blog, e escolher bloquear aquele que seria supostamente o lado podre da discussão. Seria obviamente uma censura. E eu seria o censor. Não me sentiria confortável nessa posição, e sei que não estou lidando com crianças de cinco anos de idade. Acho que o comportamento mais inteligente é não ler mais o que determinada pessoa escreve, e não se dirigir mais a ela.
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Entretanto, tendo em vista este seu e-mail, bem como algumas críticas da leitora Maria, eu vou publicar em breve um texto falando sobre a “política do blog“, criando essa aba específica sobre isso, em substituição à atual “Comunicar erros”.
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Espero que, quando esse texto for publicado, você dê sua opinião lá sobre o que achou da minha decisão.
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Grande abraço, e obrigado pelo contato.
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Barros

 “Bem-vindo ao mundo real”

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Ao contrário do que possa sugerir,

Política de Conduta do DeusILUSÃO

não se refere ao comportamento esperado

dos leitores do blog,

mas do seu Autor.

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“Por que um ateu fala tanto em Deus?” [Republicação]


Eu tenho motivos para crer que muita “gente de fé” acha que um ateu é um crente enrustido. Eu mesmo já recebi muito cumprimento irônico me parabenizando pela minha “crença em Deus”. Afinal, por que, então, eu iria gastar tanto tempo, energia e criatividade mantendo um site dedicado a “Ele”?

Esse tipo de raciocínio é bem condizente com a visão deturpada que o religioso tem do mundo, afinal, ele “crê” em coisas tão ridiculamente absurdas que precisa mesmo que todo mundo creia nelas também, já que, de outro modo, ele não vai conseguir se esquecer de que está se enganando, brincando de faz de conta para sustentar umas tantas ilusões infantis.

Esse tipo de argumento, o de dizer que o ateu, na verdade, crê em Deus, é bem recorrente e já me vi diante dele vezes sem conta, ao lado de outros ainda mais estúpidos ou, pior, que demonstram apenas o quanto uma pessoa pode ser tapada.

Elas dizem coisas como “Você iria perder seu tempo escrevendo que não acredita em duendes, por exemplo? Não, né?”, “O ateu não tem razão de existir. Ele vive pra quê?”

Ora, vive-se para muitas coisas, por muitas razões, para muitos fins e de muitos meios. Se você me diz que eu, sendo ateu, não tenho razão para viver, estará apenas sinalizando para mim que você é uma pessoa com a qual não vale a pena discutir, por já ter apresentado o seu diploma de imbecil.

Eu não me incomodaria se milhões e milhões de pessoas resolvessem inventar, como inventaram, Deus e deuses, e esfolassem seus joelhos e desperdiçassem suas vidas para adorá-los. Isso seria problema delas. Mas não se pode ficar de mãos abanando quando um grupo crescente de indivíduos, com uma determinada crença, está tão seguro de que o conjunto de idiotices em que acredita é a Verdade — com V, única e absoluta — a ponto de divulgar que quer passá-la a todo o resto da humanidade, à força, se preciso.

Eu sou contra, sim, o processo imbecilizante por que passa, obrigatoriamente, cada nova geração de seres humanos. Sou contra, sim, a atitude de pais que literalmente obrigam seus filhos a acreditarem num sem-número de sandices só porque eles próprios também foram obrigados a acreditar. E ainda acham que estão fazendo a coisa certa.

E não pretendo desperdiçar meu tempo e energia contra duendes, pelo simples fato de não me sentir incomodado pelos seus adoradores. Esses, pelo menos até hoje, não queimaram vivo ninguém que não acreditasse em duendes; não fizeram guerras em nome deles; não forçaram cada nova geração a acreditar neles; não extorquiram dinheiro para a sua rede de divulgação da crença nos duendes; não ameaçaram nem coagiram os que não acreditavam; não pediram para que ninguém mais acreditasse no mesmo que eles, nem tentaram doutrinar a quantos pudessem, para que a crença nos duendes fosse global. No dia em que começarem a fazer isso, pode apostar que eu vou montar um site “dedicado” a eles também.

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Eu ponho meu ateísmo à prova

 gato.

O leitor Diogo “Azetech” Morelli, escreveu esse comentário enorme no qual ele me confronta com os mesmos argumentos que qualquer crente pode usar, contra qualquer um, a qualquer momento: fé e ignorância. Se ele não entende alguma coisa, se lhe falta algum dado, se não tem uma resposta, ele mete no meio o Deus no qual foi treinado a acreditar e pronto: problema resolvido! Eu me contive em apresentar as mesmas respostas de sempre, mas queria dar destaque à pergunta que eu achei mais instigante:

 Deus pode ser real e os naturalistas é quem vivem em uma ilusão. Quem garante?”

Pois muito bem… Eu garanto!

Garanto que o mundo natural é a realidade, e que todos os crentes em todos os deuses de todos os tempos foram iludidos. Assim como você. Para provar isso, eu passei algum tempo trancado no meu laboratório bolando um teste. Funciona assim:

Eu e você, Diogo, nos encontraremos num pátio de estacionamento de um shopping center qualquer, perto de uma lanchonete McDonald’s, ao pôr do sol. Nós ficaremos distantes 2 metros um do outro.

Quando o experimento tiver início, eu me aproximarei de você e esfregarei, na sua cabeça, uma considerável quantidade de cocô de gato, que eu devo ter recolhido previamente do mundo natural. O tempo para essa fase será de apenas 1 minuto.

Finalizada essa etapa, eu me afastarei de você por 176 metros. Ao atingir essa distância, você deverá orar e pedir para Deus me fulminar com um raio. Após concluída a oração, que não poderá se estender além de três minutos, o tempo para Deus se manifestar também será de um minuto.

Após isso, o teste se encerra de uma dessas duas maneiras:

1- Você vai pra casa se lavar de toda aquela merda de gato, e deixa para as autoridades a difícil missão de descolar os meus restos mortais do asfalto.

2- Você vai pra casa se lavar de toda aquela merda de gato, e eu vou tomar um milkshake de chocolate no McDonald’s.

Se você topar participar desse desafio, mande um e-mail para barros@deusilusao.com marcando dia e lugar, com uma antecedência mínima de uma semana, porque, se por um lado o seu Deus é onipresente, merda de gato não é lá uma coisa assim tão fácil de se achar.

     

 

O que é a Bíblia, por Wagner Menke

 
 
 

O INDEX

index

Lector, suscipit vitae, quia ultra precipitas inferos, quo tu non somnium vivit. 

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PALAMARIUS 

De olhos bem fechados  

 

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Solum Textus

O post inominável

A divina tragédia

Jesus Cristo se masturbava?

Quando Deus cagava no mato

Teste seus amigos crentes

Teste seus amigos crentes 2

Teste seus amigos crentes 3

Teste seus amigos crentes 4

Que amor mais vagabundo!

Mentes pré-históricas

Cruz: o símbolo macabro do cristianismo

Seus problemas acabaram!

Barros vs. Diabo

Aleluia, Sócrates!!!

A moral de Deus

A moral flutuante de Deus

Barros, a mulher e o jumento

O sacrifício

Cara ou Coroa?

Pai-Nosso Ateu

Efeito borboleta

Eu, prolixo

Obrigado, Senhor!

Deus é negro, cego e toca piano

A chantagem suprema

Deus apareceu pra mim

O Problema do tempo

O universo veio do nada?

No primeiro dia, o Homem criou Deus

Deus… esse sujeito!

Eu escrevo Deus com “D”

Pequeno ensaio sobre o Vazio

Ridículo, com 4 letras

Pra não dizer que não falei das flores

Foi-se o tempo dos milagres!

Deus, ninguém me ama também

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Divisum Textibus:

Eternidade

Sê bem-vindo ao Inferno!

Deus, Alice e a Matrix

Quando os deuses se cansam

O Deus que não estava lá

Nada a ver com Deus

Tratado das ilusões 

As flores do mal

A cobiçada vagina de Nossa Senhora

Fé & Autoengano

Três deuses, um funeral

Deus está nu

O livre-arbítrio

Deus: aprecie com moderação

As Fadas de Barro

A insuportável arrogância do ser

A sociedade torturadora de bebês

Por que não acreditar

DEUS: Manual do Usuário  

O Sexo de Deus

Blasfêmia

Interpretareis conforme a vossa conveniência

Uma história sem final feliz

Espiritismo: sua alma é reciclável

Voo e Queda

O Evangelho segundo o Criador

Aborto: a batalha entre fé, moral e razão

Minha linda coroa de brilhantes 

O imbecilionismo

A Teoria do Barro(s)

As evidências de Deus

As sacolas de Sofia

Brincando de Deus

Deuses de mármore

Qual o sentido da vida?

Deus: aprecie com moderação

religião é uma droga

E há  sempre o caso do crente que exulta e se vangloria do fato de que “sua” igreja está crescendo:

— Somos, hoje, “tantos” milhões e a previsão para “tal” ano é de que esse número aumente para inacreditáveis “tantos” milhões!!!

Comparadamente, é a mesma alegria (ou esperança) que deveria ter o viciado em crack, por exemplo, ao saber que a quantidade de drogados no país está aumentando. Sim, porque, admitindo-se que esse número cresce de forma vertiginosa, é de se supor que o usuário de crack sonhe com o dia em que poderá fumar seu cachimbo despreocupadamente, já que se todo mundo estiver consumindo sua droga preferida, do policial que cumpre a lei ao deputado que a redige, ele certamente não será mais incomodado. Para o viciado, uma sociedade assim, onde todos seriam dependentes também; onde ele poderia curtir o seu barato de 10 segundos por baforada sem que ninguém viesse lhe encher o saco; onde ele poderia adquirir sua pedra legalmente em qualquer estabelecimento e fumá-la em qualquer lugar, “seria o céu!“.

Para o crente, é a mesmíssima coisa. Um lugar em que ninguém é mentalmente são, é um lugar onde não existe nenhum louco, porque a percepção da loucura só é possível numa mente sã.

Mas eis que você, amigo crente, ainda não está vivendo nesse lugar. E o Barrinhos aqui vai continuar enchendo o vosso saco, feito à imagem e semelhança do saco sagrado do Criador: o que você não quer enxergar é que o número de fiéis está crescendo vertiginosamente porque muita gente esperta há tempos percebeu como é fácil ganhar dinheiro apenas com um altar e umas cadeiras de plástico.

Tudo não passa de uma relação forte, eficaz e rentabilíssima entre o usuário de Deus, eternamente drogado, e as quadrilhas de traficantes, eternamente sedentas por dinheiro. E a demanda pela droga é tão grande, que quando os donos da boca de culto não se entendem quanto à divisão dos lucros, eles nem precisam fazer uma guerra entre suas quadrilhas. Eles apenas se separam, e o dissidente funda uma nova igreja, precisando apenas arcar com o trabalho de marketing para a nova marca.

E a receita é a mesma: esperteza + ganância + talento + cara de pau + fé em Deus = grana. Muita grana.

A ideia de Deus — deixando de fora a coação e o doutrinamento infantil — se sustenta à custa de fantasias, ilusões, enganos, ignorância, medos, carências, mitos e mentiras descaradas. Tudo isso muito bem compartilhado e propagandeado como verdades óbvias, provas absolutas e explicações incontestáveis.

Só  pra ficar num exemplo apenas…

Todo dia alguém perde um voo, pelos mais variados motivos. Eu, por exemplo, já perdi uma vez por ter dormido na sala de embarque. Enfim, sempre alguém se atrasa, fica doente, ou preso num engarrafamento. E o avião decola com um a menos. Isso acontece o tempo todo, em todas as partes do mundo e a vida segue normalmente. Entretanto, quando acontece um acidente aéreo sem sobreviventes, aquele passageiro que perdeu o voo, juntamente com todos os outros cristãos dopados que nem ele, vai atribuir tal “milagre” ao seu Deus misericordioso, que impediu que ele embarcasse, salvando sua vida tão preciosa e poupando sua família e amigos de sofrer com a tragédia. Como se todos os outros mortos no acidente não gostassem de viver e não fossem fazer falta a ninguém.

Para mim, particularmente, seria muito mais fácil crer num Deus que permitisse a queda de um avião, se, depois, eu ficasse sabendo, pela Patrícia Poeta, que o cara que perdeu o voo era um crente dos mais devotos, e todos os que morreram, ateus. Se não for o caso — e nunca é — , nós só ficamos com a cretinice de uma religião que, além de ver o mundo do jeito que lhe convém, quer impor essa visão doentia a todo o resto de nós.

O mundo religioso é um embuste, uma farsa. É o efeito de uma droga que te ensinaram a consumir antes mesmo de você aprender a andar. Sua hóstia consagrada é uma massa de pão; o sangue de Cristo que o padre e o papa bebem no altar é apenas vinho misturado com água; seu livro sagrado é uma coleção de mitos; a imagem de Jesus na sua camiseta, de olhos azuis, ondulados cabelos castanhos-claros, lábios finos, pele branca, e cara de quem acabou de sair de um salão de beleza, é tão inverossímil quanto a entidade que ela representa; seus dogmas são ridículos; suas orações, inúteis.

Se todas essas coisas que as pessoas te disseram que são verdades se revelam mentiras grotescas, você bem que poderia extrapolar o raciocínio e tender a achar que tudo o mais também não passa de uma fraude, e acabar por concluir que o que você consegue na vida por obra e graça do Espírito Santo eu posso conseguir, também, se orar fervorosamente, todas as noites, ao meu ferro de passar roupa.

Mas você não quer pensar assim; você não quer nem pensar nisso. Na verdade, você não quer nem mesmo pensar. Você não consegue sequer imaginar como seria viver fora desse seu mundinho mágico. E nem mesmo tenta. Por quê?

Porque você se viciou numa droga chamada Deus.


 

Deus: aprecie com moderação [versão completa]

Jesus está voltando

 jesus está voltando

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Se tem uma coisa que me irrita bastante é ouvir pessoas inteligentes dizerem coisas sem sentido, baseadas em sua fé religiosa. Um colega de trabalho ia me fazer um discurso catequizador, mas começou com a frase errada:

— Barros, Jesus está voltando.

É óbvio que ele certamente tinha uma pilha de argumentos para me convencer de que meu ateísmo iria me levar para o Inferno, mas, pelo menos para mim, também era óbvio que tudo que ele tinha pra me dizer não fazia o menor sentido, a começar por aquele dito anedótico.

— Jesus está voltando? — eu repeti. — Voltando de onde?

Ele meio que se engasgou com a minha interrupção assim logo no início, mas era uma pergunta bastante evidente: se alguém está voltando, está voltando de algum lugar. A resposta foi que Jesus estava voltando “de junto do pai”.

Eu reconheço que sou uma pessoa insuportável, mas, vamos combinar:

— Tá. E o pai dele tava onde?

Ele meio que enrolou, mas acabou desembuchando: “no céu”. Ó, que ótimo! Estávamos progredindo! Só mais um pouquinho e eu já ia deixar ele passar pra segunda frase do discurso.

— O céu fica onde?

Surpreendentemente, meu colega se irritou com essa pergunta e quis continuar sua exposição passando por cima dela. Claro que eu não poderia permitir isso: a salvação da minha alma exigia que eu me inteirasse completamente do assunto. Mas, como ele de fato não sabia de onde Jesus estava voltando, achou que poderia compensar a ausência desse dado repetindo aquela afirmação mais algumas vezes:

— Jesus está voltando, Barros. Ele está voltando, entende? Logo todo joelho se dobrará e todo…

— Há dois milênios que ele está voltando, meu querido!

— Sim, mas a hora chegou! A Bíblia diz que haveriam guerras e rumores de guerras! Observe os sinais do fim dos tempos, Barros. Todo dia você vê a televisão mostrando furacão, tsunami,  guerra, terremoto, surto de…

— Mas isso sempre existiu!! O que nem sempre existiu foi a tevê. 

— …doenças contagiosas, nação se levantando contra nação, pai matando o filho! Esses sinais estão descritos na Bíblia!

É claro que ele não estava me ouvindo e, então, eu tive que dar uma alfinetada:

— Jesus não vai voltar de lugar algum, porque ele não foi pra lugar algum. Se a gente se congelasse e fosse reanimado daqui a mais dois mil anos, as pessoas nas ruas ainda estariam dizendo a mesma coisa. “Jesus está voltando” é uma frase sem sentido; não significa nada. Serve só pra sustentar sua fé em algo que não existe. Se não existe, o fato de ele não estar aqui pode ser explicado pela afirmação de que ele “está voltando”. Mas ele vai “estar voltando” sempre: nunca vai chegar. Nem hoje, nem amanhã.

Ele ficou pasmo com a minha petulância:

— Como que você pode dizer isso, rapaz?! Que argumentos você tem pra embasar o que você tá falando? Como você quer sustentar a afirmação de que ele não virá mesmo amanhã, se você não tem como saber o que vai acontecer amanhã?

— Eu aposto cinquenta reais com você que ele não virá amanhã.

— Que imbecilidade, rapaz…

— Cinquentinha só! Topa? Se ele não vier amanhã, você me paga.

— Você vai ser castigado por isso, Barros.

Ele encerrou a conversa e voltou pra seção dele. E eu deixei de ganhar cinquenta reais mole, mole, porque essa conversa foi ontem e, agora vocês também já estão sabendo, Jesus ainda não chegou.

O céu deve ficar a milhões de anos-luz daqui e, talvez, ele esteja vindo de jumento.

  

 

Eu sou o fantoche do Diabo

o bem e o mal 

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Dia desses eu fui abordado na porta da minha casa por duas irmãs que tinham invadido a rua com outros frequentadores da sua boca de culto. Como vi que ninguém estava carregando material suficiente para fazer uma fogueira, resisti ao impulso de correr para dentro de casa, e sorri pra elas duas, fingindo ser a pessoa mais doce do mundo. Os outros membros do bando passavam e sorriam pra mim, enquanto pareciam apertar, ainda com mais força, suas Bíblias contra os seus respectivos sovacos.

De repente, surgiu um anjinho do meu lado esquerdo, que é o lado do coração, que é o órgão responsável pelas minhas emoções e pelos meus pensamentos bons. Ele me cochichou dizendo que eu fosse educado e cortês, e tentasse assimilar, no meu coração, a mensagem que elas estavam querendo passar. Ao mesmo tempo, do meu lado direito, que é o lado do meu apêndice, que é o órgão responsável por me lembrar que eu não entendo nada de biologia, apareceu um diabinho rabudo e vermelho que disse: “Detona!”. Dessa vez eu decidi seguir o conselho do anjo, porque a minha psiquiatra me garantiu que essas vozes na minha cabeça só vão me deixar em paz depois que eu me tornar uma pessoa menos belicosa.

Elas começaram até bem: “A gente pode falar com você um minuto?”. Aí eu disse: “Sim”. Uma delas, então, me apresentou um panfleto impresso com algumas sentenças ao lado de quadradinhos [supostamente para alguém marcar com um X] onde eu li rapidamente coisas como a) Deus, b) Homem, c) Mídia, etc. Enquanto segurava o papel na minha frente, ela perguntou: “Você pode me dizer quem controla o mundo?”. Aí eu disse: “Não”. Foi quando ela começou rapidamente a me esclarecer sobre como tudo é extremamente simples: bastaria amar a Deus e ler a Bíblia, que todos os meus problemas e os problemas do mundo se resolveriam; e que todos os meus problemas, bem como os problemas do mundo, eram frutos do pecado.

Pacientemente eu a ouvi durante quase quarenta segundos; mas aquele diabinho estava agora arranhando meu apêndice com uma serrinha de unha, então eu tive que interrompê-la:

— Me dê um exemplo de pecado.

— Desobedecer as leis de Deus é pecado.

— Me dê um exemplo de pecado.

Minha professora de catecismo me chamou muitas vezes de “impertinente” por bem menos do que isso.

— O marido trair a esposa é um exemplo de pecado.

— E por que você acha que maridos traem as esposas?

— Porque eles cedem às tentações do Diabo.

Aqui o diabinho vermelho parou de lixar o meu apêndice e ficou prestando atenção na conversa.

— Quer dizer que, se eu fosse casado com você e tivesse um caso com a sua irmã aí, isso seria culpa do Diabo?

— Não: seria culpa sua e dela, por cederem à tentação dele. 

— Então a ideia de transar com a sua irmã foi posta na minha cabeça pelo Diabo?

— Foi… — ela disse, disfarçadamente avaliando a distância que se encontrava do resto do grupo, ao longo da rua. 

— Você acreditaria em mim se eu dissesse que, se sua irmã fosse bem feia, magrela e tivesse mau hálito, o Diabo poderia fazer o diabo, mas eu nunca trairia você com ela?

Elas não quiseram continuar a conversa, por algum motivo. Despediram-se entre apressados conselhos para que eu lesse a Bíblia, e foram se juntar aos outros do bando, que também não deviam entender nada de biologia, a ponto de achar que o desejo que um homem tem de transar com mais de uma mulher é motivado por uma criatura malévola que habita uma dimensão mágica.   

  

 

Você conhece Deus?

Mais uma indicação imperdível do leitor Cristiano:

Hoje é dia de Maria

hoje é dia de maria 

 

A leitora Maria me escreveu um comentário fazendo as seguintes perguntas:

  Se se esgotassem todas as alternativas, o que faria? Imagine-se numa grande dificuldade, sem amigos, sem parentes que quisessem saber de si… Não se ajoelharia? Não suplicaria?       

Eu havia prometido a ela que responderia com um texto aqui no blog, e estou cumprindo a promessa. E aqui vai a resposta: Não.

Eu não me ajoelharia. Eu não suplicaria. E não só porque isso seria ridículo; mas principalmente porque seria inútil. Não há nada parecido com uma fada-madrinha cósmica que esteja interessada em ouvir as nossas súplicas; muito menos atendê-las. O que há são pessoas que acham fascinante essa ideia de possuírem um gênio da lâmpada pessoal que não impõe limites ao número de desejos a pedir. Vale notar que, mesmo que essas pessoas não tenham os seus próprios desejos atendidos, elas se confortam no fato de que o tal do gênio atendeu o pedido de outros, talvez assim, quem sabe, achando um motivo para continuar esperando que um dia o pedido delas também seja atendido. Talvez exista uma fila, ou uma lista de espera. Vai saber…

O que me deixa irritado nas pessoas religiosas não é a sua fé. Você pode fazer uma oração pro vento do meu lado, se quiser, que não vai me incomodar. Mas não teste minha tolerância às suas hipocrisias. Quando alguém vem se gabar pra mim que é muito importante para a criatura que supostamente construiu o nosso universo, a ponto de ter sido curado por ela, eu faço questão de criar uma inimizade, lembrando que ele ou ela não recebeu uma intervenção divina, mas sim uma intervenção cirúrgica.

As pessoas me detestam porque eu não perco a chance de lembrar a elas que tudo seria exatamente como é, mesmo que ninguém acreditasse em nenhum deus. Às vezes morreria todo mundo num desastre de avião; às vezes alguém escaparia com vida. Às vezes você se curaria de uma doença; às vezes morreria por causa dela. Às vezes você conseguiria algo que queria muito; às vezes você iria ter que simplesmente se conformar por não poder ter tudo o que quer. O mundo em que vivemos, mesmo tanta gente acreditando em Deus, é completamente indistinto de um mundo em que ninguém acreditasse nele. 

Mas o que eu, particularmente, faria numa situação de grande dificuldade em que me visse sem saída e sem ajuda? Eu continuaria mantendo a esperança. De achar uma saída. De conseguir ajuda. De tudo acabar bem.

  

 

 

“A Criação do Deus Bíblico”, por Wagner Menke

Duas vezes Sofia

As sacolas de Sofia

Parte 1

Parte 2

Parte 3

Parte 4

Parte 5

Parte 6

Qual o sentido da vida?

Parte 1

Parte 2

Parte 3

Parte 4

Parte 5

Parte 6

Parte 7

Parte 8

Parte 9

Parte 10

Parte 11

Parte 12

Parte 13

 

 

Protegido: sobre a grama que cresce ao sol

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Resposta a ‘Um Deus sem Bíblia’ [Republicação]

ao pó voltarás

Criaturo, meu querido… Li seu texto. Duas vezes. Ufa… Graças a Deus, você não me decepcionou. É um texto até interessante, do ponto de vista literário, mas é do tipo que se espera de um crente; e isso não é um elogio.

Reservo-me o direito de não comentar exatamente tudo, bem como sequer estabelecer uma ordem nos pontos abordados. Assim, eu começo pelo que achei mais revelador: os percentuais da “Trindade Divina”.

Quando se estabelecem porcentagens, presume-se que alguém fez um cálculo ou uma estimativa perfeitamente reproduzíveis, se necessário. Eu posso dizer, por exemplo, que 75% do nosso planeta é coberto por água. Não é um cálculo preciso: é uma estimativa. Também posso dizer que, mês passado, eu comprometi 46,72% dos meus rendimentos com a aquisição de peças e tabuleiros de xadrez. Não é uma estimativa, é um cálculo preciso. Nos dois casos, eu poderia demonstrar como cheguei a esses números, de modo que você fosse capaz de repetir o processo e obter praticamente os mesmos resultados: com alguma tolerância em relação à estimativa planetária, e sem tolerância em relação às minhas dívidas.

Você listar a porcentagem de Deus que é humana, a porcentagem que é mecânica, e a porcentagem que é consciência é a sua assinatura endossando o ditado popular “Papel aceita tudo”, porque a única coisa racional que te fez escolher os valores de 30%, 30% e 40% só pode ter sido o fato desses números serem bem fáceis de somar de cabeça pra dar os 100%. Outra razão não há, nem poderia haver, porque, em se tratando de deuses, você não poderia fazer estimativas ou cálculos precisos. Quer dizer… Fazer até pode, mas não iria nunca ter como explicar como chegou aos tais valores.

No começo do texto, eu estava achando que havia entendido o seu ponto de vista: “Ah, então, pra ele, Deus é ‘tudo o que existe’; matéria, energia, antimatéria, o universo enfim. Ora, então a gente só está dando nomes diferentes para a mesma coisa”. Eu, sinceramente, até daria mais crédito ao pensamento de que havia um ser “incriado” e eterno que, de tão solitário no meio do nada infinito, resolveu se matar de tédio, explodindo em zilhões de pedacinhos que deram origem a tudo o que passou a existir no lugar dele. O problema é que isso implicaria na inescapável conclusão de que somos feitos dos átomos do corpo de um Deus suicida. E só, meu caro! E SÓ!! Esqueça a vida eterna, esqueça recompensas por não comer a mulher do vizinho, esqueça presentinhos materiais em troca da falsidade de dizer que ama quem você nunca nem viu.

Não sei quantas pessoas que hoje têm algum tipo de devoção religiosa iriam dormir tranquilas com essa visão de mundo.

Mas, então, você me veio com essa:

    Nós somos o livre-arbítrio de Deus, ele sente em nós o prazer da liberdade proporcionado pela autoignorância da sua onisciência.

“Ora”, eu pensei, “então Deus não se matou”. Isso significa que não entendi qual era seu argumento, ou você não soube explicá-lo, ou não notou que está discorrendo sobre um Deus feito de massinha de modelar, que toma a forma que você quer, pelo tempo que você acha conveniente, ora sendo ‘tudo o que existe’, ora sendo algo ou alguém específico, com direito a sentir prazer com a proeza de ter conseguido se separar de si mesmo, como se Deus fosse um adolescente cósmico que fez surgir de seu corpo uma mão autônoma para masturbá-lo.

Considero o abstracionismo do seu raciocínio até certo ponto louvável, mas não posso deixar de notar que ele está infectado dessa tal doença tautológica, debilitante, detratora, contaminante e indisfarçável, que o faz desmoronar devido à incapacidade de sustentar uma definição que traz entranhada em si mesma o objeto a ser definido, sem o qual não se completa.

Deus é o que uma parte independente dele diz que ele deve ser para que tudo seja como realmente é. Minha mente matematicoenxadrística me livrou da fascinação por esses jogos de palavras. Um Deus onicoisente, caso existisse, deveria poder ser percebido de uma maneira menos tola.

Espero que, pelo menos, você tenha consciência de que não é um cristão, e de que a Bíblia não pode ser usada por você como os cristãos a usam, a menos que você se valha em igual medida de todos os outros livros sagrados que dão conta de todos e tantos deuses. Enquanto só você entendeu a essência desse Deus-além-Bíblia, talvez fundando essa nova religião da qual precisa ser o profeta, o papa e o único seguidor, também precisará aceitar cada palavra do que todos os crentes dizem, e cada ato que praticam em nome de seus numerosos deuses contraditórios e incompatíveis. Pois Deus é tudo, e pode ser tudo.

Inclusive nada.

Minha pequena coleção de pecados #2

Pelikan & Namiki 

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Por causa da minha caligrafia ruim e incapacidade de redigir textos à mão, eu enveredei por um caminho completamente novo que acabou revelando tantas coisas sobre mim quanto sobre ele mesmo. Descobri, por exemplo, que passei a minha vida toda segurando a caneta de uma forma errada, enquanto escrevia. Descobri o fascinante mundo das canetas-tinteiro, e toda a complexa relação que existe entre a ponta da pena, o tipo de papel, a qualidade da tinta e o estilo de escrita com a boa ou má caligrafia de cada um. E, finalmente, descobri que, se quisesse de fato alcançar a minha meta de reverter aquele quadro, eu teria que pagar um preço. E, nesse caso, meu cartão de crédito seria completamente inútil. Era preciso dedicação, esforço, perseverança, tempo e, o mais importante de tudo: motivação. Sem motivação nos tornamos escravos das nossas ações, porque acorrentamos nosso cérebro a elas, obrigando-o a trabalhar a contragosto e muito abaixo de sua capacidade, enquanto sonha estar em outro lugar, fazendo outra coisa.

Eu queria reaprender a escrever, e, para isso, eu precisaria escrever. E muito. Mas para realizar meu desejo de produzir textos sem auxílio de um teclado e com uma caligrafia bonita eu precisava também que essa prática perdurasse. Só que todo esforço, tempo e dedicação que eu empregasse nisso seriam inúteis se eu não tivesse algo que me motivasse a escrever. Uma das causas do meu fracasso inicial foi justamente a falta de motivação. Comprei uma caríssima caneta alemã e tinta alemã; comprei uma caríssima caneta japonesa e tinta japonesa; importei papéis da mais alta qualidade da Itália, França e Holanda. Mas não encontrei país nenhum no mundo que me fornecesse online a opção de comprar a mais ínfima lasca de incentivo.

Foi então que me veio a ideia de manter um diário. O compromisso de deixar registrada uma mensagem de cada um dos meus dias para o meu próprio futuro me fascinou. Talvez não fascine tanto a mais ninguém, mas não estou escrevendo para mais ninguém, além de mim mesmo, num ponto do futuro que nem sei se um dia irei alcançar.

Ainda ontem, enquanto abria aleatoriamente suas páginas para tirar uma outra foto dele para ilustrar esse texto, reli uma passagem em que eu discorria tristemente sobre a minha paixão secreta por uma certa moça que, naquela época, era tão inacessível para mim como se ela fosse a mais protegida das princesas na mais alta torre do mais inexpugnável dos castelos, e eu, o rapaz que limpa o cocô das estribarias. Quando terminei de ler minhas queixas sobre a voz dela que eu nunca tinha ouvido sendo dirigida a mim, sobre os olhos que nunca haviam se fixado nos meus, sobre como aquele sonho de me aproximar dela era a mais impossível das impossibilidades, eu apenas pulei para a página em que eu conto como foi aquela fresca e perfumada manhã de sol em que ela desceu dos céus até os porões da minha insignificância, e me pediu para lhe ensinar a andar a cavalo.

Não espero que ninguém mais se interesse pelo que eu vou deixar registrado nos meus Moleskines. Mesmo porque não tem nada que interesse a mais ninguém: é só a minha vida. Mas caso essa pessoa que, um dia, venha a ler meus diários queira me criticar pelas coisas que fiz de errado — no julgamento dela — , eu só queria deixar um recado. Se ela vai me perdoar ou não pelos meus poucos pecados, eu não dou a mínima, porque só me arrependo de uma coisa: não tê-los cometido com mais frequência, até que eles pudessem alcançar a perfeição que mereciam 

 

 

Minha pequena coleção de pecados #1

 diário

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Apesar de ter me doutrinado a nunca tratar de assuntos pessoais no meu blog, o que é um contrassenso, vez ou outra eu me permito certas impropriedades. Como agora. Há cerca de dois anos, descobri estarrecido que tinha perdido quase que completamente a habilidade de produzir textos manuscritos. Meus dedos se tornaram tão íntimos do teclado que só usava canetas para assinar meu nome. Graças à minha extrema competência em digitar com rapidez e precisão, meu cérebro meio que se acostumou a decalcar quase que instantaneamente o resplendor de suas sinapses na tela brilhante do meu MacBook. Quando, um dia, precisei redigir um texto usando uma esferográfica, o bicho travou. Meu cérebro, não o Mac.

Eu demorei muito para concluir meu trabalho, e mais ainda para entender o que tinha acontecido. Qual era o problema? Não era eu que gostava de dizer que era um “escritor”, porque escrevia textos para um blog quase todo dia? Não era eu que conseguia escrever em tempo récorde um relatório, um e-mail, ou seja lá o que fosse, justamente por ter prática de uso e domínio da linguagem escrita? Qual era a pane? O que havia de errado? E quando descobri que estava segurando todas as respostas em uma das mãos, eu me apavorei. Olhei para aquela esferográfica como se ela fosse um objeto alienígena que tivesse vindo dentro de um meteorito.

Meu primeiro pensamento foi “nunca mais pego numa esferográfica de novo”. Resultado do trauma, sem dúvida, essa decisão drástica acabou se concretizando, de certa forma. Virei fã de canetas-tinteiro, depois que decidi retreinar meu cérebro para escrever usando tinta e papel, para o caso de eu ser salvo, e descobrir que o Paraíso é tão chato que precise manter um diário pra passar o tempo, durante toda a eternidade.

A primeira providência que tomei foi adquirir o material necessário. Comprei uma das mais caras canetas-tinteiro da Sheaffer, uma Prelude Blue Shimmer; tinta japonesa de alta qualidade, da Pilot; um papel especial francês, chamado séyès, usado pelas crianças francesas para aprender caligrafia; e diversos bloquinhos da mundial-mente famosa marca italiana Moleskine. Foi quando os débitos em dólar, euros e libras esterlinas no meu cartão me revelaram duas coisas. Uma, que é um desperdício comprar uma Ferrari se o dono não sabe dirigir. A outra: a arte perdida de produzir um texto manuscrito não foi a causa dos músculos da minha mão terem esquecido seus movimentos, tornando minha caligrafia feia e penosamente lenta.

Era sua consequência.

Eu precisava praticar, e não acho que seria recomendável alguém querer aprender a dirigir numa Ferrari. Voltei pra internet e comprei algumas pontas de penas (dip pens), tinta Compactor para caligrafia, e imprimi vários copy books, aqueles livros que têm uma linha de texto que é preciso reescrever ao longo de toda a página, tentando imitar o modelo.

Foi incrível! Depois de algumas semanas me matando de tédio, lutando contra a vontade de tocar fogo naquilo tudo, e perdendo horas preciosas, eu finalmente descobri que todo meu esforço não estava adiantando absolutamente nada! Tirando um enorme calo que lentamente tomava o lugar do meu dedo médio e as manchas de tinta azul sob as minhas unhas, nada mais havia mudado.

Foi então que, depois de quase quatrocentos anos de existência, eu comecei a chorar.  

 

 

A sacrossanta convenção [Republicação]

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Muito provavelmente, a cidade onde você mora tem um santo padroeiro. Ou santa. Embora um mesmo santo possa dar conta de várias cidades ao mesmo tempo, o Brasil pode se dar ao luxo de ter um santo ou santa diferente para cada um dos seus 5.566 municípios. Mas aí, acho que iria faltar santo para apadrinhar outras coisas (das mais diversas). Por exemplo, a santa Cecília aí da imagem é a padroeira dos músicos.

E como uma santa se torna padroeira de uma cidade (ou dos músicos)? Eu não sei. Mas isso não é novidade: eu sou muito ignorante. Mas eu gostaria muito de saber. Só que duvido que seja algo diferente disso: alguém, aqui na Terra, um ser humano igual a mim, baseado na simpatia de seu grupo social por um determinado santo, oficializa a preferência: tal santo é o padroeiro de tal cidade. Ponto. Se houver um documento para assinar, ele lasca uma assinatura. A partir daí, o povo ganha mais um feriado, e o santo, mais uma obrigação. Ninguém vai se lembrar, depois, que foram eles próprios que fizeram a coisa toda. E o feriado passa a ser sagrado. Simples assim.

Às vezes, só precisa mesmo de uma pessoa investida de autoridade suficiente para declarar algo como sagrado. O resto é propaganda, e décadas de tradição.

Esse mecanismo funciona mais ou menos do mesmo jeito para todas as coisas que são consideradas sagradas. A “Assunção de Maria”; o Santo Graal; a Terra Santa; o Santo Sudário; a Transubstanciação; a Cruz; a Bíblia. As pessoas consideram tais coisas sagradas porque, em algum momento, um homem ou uma comunidade resolveu definir que assim era.

Mas uma santa ser padroeira de uma cidade é pura convenção; a “Assunção de Maria” aos céus é um dogma; o pão que se torna carne, e o vinho que se torna sangue, idem; o Santo Sudário é uma fraude; o Santo Graal era só um verso num poema; a Terra Santa é apenas uma cidade histórica; a Cruz era um instrumento de tortura; a Bíblia é um punhado de estórias escritas por um punhado de gente. Essas coisas só se tornaram sagradas para as sociedades que as relacionaram à sua divindade específica. Por autoridade, por tradição, por convenção.

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Jesus: o mito da divinização do homem

No primeiro dia, o Homem criou Deus… [Republicação]

A religiosidade nos acompanha desde o nosso nascimento como espécie. Quando os primeiros da nossa estirpe vagavam em bandos nas planícies do que hoje conhecemos como África, quando ainda não dominavam o fogo nem tinham qualquer ferramenta, o dia lhes trazia calor, lhes trazia luz; permitia que identificassem, de longe, as feras e fugissem a tempo. Já a noite lhes trazia o frio e a escuridão; lhes deixava vulneráveis; gélidos de medo das sombras, de onde poderia surgir, a qualquer instante, a morte.

Nada mais óbvio do que imaginar como aqueles seres passaram a venerar o dia e a temer a noite. Daí a raiz da religiosidade: o culto à Luz e o medo da Escuridão. A noção primitiva do Bem e do Mal.

Para que a religião efetivamente nascesse, faltava ainda juntar a esse culto uma característica exclusivamente nossa, os animais ditos “superiores”: a personificação.

A seleção natural favoreceu aqueles que tinham o cérebro mais propenso a ver algo, ou alguém, naquilo que não estava totalmente definido. Os hominídeos que confundiam uma sombra qualquer tomando-a por um predador, saiam correndo para salvarem suas vidas. Se estivessem errados, isso só lhes teria custado energia e tempo. Mas eles mantinham-se vivos e passavam adiante essa característica para as gerações futuras. Já aqueles que confundiam um predador qualquer tomando-o por uma sombra, eram devorados e foram extintos.

Milhões de anos (e um cérebro três vez maior) depois, o homem aperfeiçoou essa habilidade. Nascia assim a figura da “divindade”: a personificação de algo que explicava o que não se podia entender.

Estamos a mais de quatro milhões de anos de distância daqueles primeiros hominídeos, mas ainda trazemos conosco o medo do escuro e a necessidade de nos sentirmos protegidos, quando não especiais. Ao homem moderno foi dada a opção de entender a origem do mundo e dele próprio como sendo resultado de um processo evolutivo. Mas essa ideia é altamente prejudicial aos nossos interesses: o ”processo” não ouve nossas preces, não nos protege de perigos; o “processo” não tem um plano para nossas vidas, não nos conforta em situações difíceis, não nos acena com uma outra vida muito melhor do que a que temos. O “processo” nos deixa entregues à nossa própria competência e aos nossos próprios recursos; o “processo” não se importa conosco.

Por isso é tão tentadora a ideia de um ser supremo, todo poderoso, que é convenientemente chamado de pai… porque essa necessidade de proteção vem justamente do que há de mais infantil em nós. O que passa sempre despercebido pela mente religiosa, é que o fato dessa ideia ser confortadora não a torna real. Deus é apenas uma ilusão. Uma poderosa ilusão.

Deus, pobreza, riqueza, paz e guerra

eu vim trazer a espada

 

Por Shirley S. Rodrigues (do blog Livre para pensar)

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A Irlanda foi, durante muito tempo, um dos países mais pobres da Europa e um dos mais fervorosamente religiosos, principalmente a parte católica.

Enquanto foi um país extremamente pobre, foi um país extremamente religioso, mergulhado em conflitos armados e atos terroristas, que culminaram numa guerra civil. A causa da pobreza devia-se, em grande parte, à dominação da ilha pela Grã-Bretanha, que, além da exploração dos recursos irlandeses, proibia a posse de terras e a educação católica aos irlandeses católicos, favorecendo os habitantes do Norte, de maioria protestante.

A partir do momento em que a Irlanda torna-se um país autônomo, há um gradativo processo de melhora na vida dos irlandeses. Hoje é um dos países com melhor IDH no mundo; suas universidades são afamadas pela qualidade, e a renda per capita está em torno de 45 mil dólares. O terrorismo, que gerou o mundialmente conhecido IRA e que causou cerca de 3500 mortes, hoje em dia é praticamente inexpressivo.

Podemos ver os efeitos dessa prosperidade na religião: dados de uma pesquisa de âmbito mundial do Instituto WIN (Gallup International, de 2012*) mostra que na Irlanda menos da metade da população ainda é católica, e o país entrou para o ranking dos menos religiosos no mundo. Além disso, o número de ateus declarados vem crescendo.

O caso da Irlanda ilustra perfeitamente a correlação entre pobreza, religião e violência. Quanto mais pobre é uma sociedade, mais religiosa ela é; quanto mais pobre e religiosa, mais violenta ela é.

Uma pesquisa realizada pelo GPI – Global Peace Index – mostra que os países menos violentos são também os menos religiosos. A propósito, o índice relativo a 2014 coloca o Brasil na 91ª posição entre os 162 pesquisados. A Síria, com sua população islâmica quase fundamentalista, ocupa o último lugar; e a Islândia, o primeiro. Neste país, uma pesquisa realizada pelo Instituto Gallup, em 2011, mostra que cerca de 60% da população não dá importância para a religião.

As religiões majoritárias no mundo têm sua origem em sociedades primitivas e pobres, em busca de territórios para se estabelecer. Vicejaram na ignorância e na pobreza, que geraram a violência na busca pela posse territorial.

Atualmente, quanto mais pobres e mais ignorantes são as sociedades, mais facilmente são presas da religião, ainda mais quando essa mistura se junta à questão territorial. É assim com o islamismo e o hinduísmo. O judaísmo foi e tem sido causa de conflitos violentos, ainda hoje, motivados pela posse do território.

O cristianismo, derivado do judaísmo, civilizou-se na mesma medida em que as sociedades em que estava inserido civilizaram-se. Com o gradativo estabelecimento de fronteiras definitivas na Europa, quanto mais aumenta o nível de conhecimento e quanto maior o nível de riqueza material, menos preponderância ele tem.

No fim de contas, Deus – qualquer um – é o senhor da guerra, da violência, da pobreza e da ignorância. E não poderia ser diferente. É uma criação gerada pela luta humana para superar sua condição animal no que ela tem de pior.

 

* O estudo do WIN mostra que Gana, Nigéria e Armênia, com respectivamente, 96%, 93% e 92% da população declarando-se crentes, são os países mais religiosos do mundo. A colocação desses países no GPI é: Gana: 61ª posição; Nigéria: 151ª posição e Armênia: 97ª posição. Todos esses são países muito pobres.

 

 

Citações

“Quando o primeiro espertalhão encontrou o primeiro imbecil, nasceu o primeiro deus.”
Millor Fernandes

Dá um peixe a um homem e o alimentarás por um dia. Dá-lhe uma religião e ele morrerá de fome enquanto reza por um peixe.

Jesus é legal! Se ele nasce, eu ganho presente; se morre, eu ganho chocolate!

Se tivermos espírito crítico, não precisaremos de Espírito Santo.

“As religiões são vistas pelos tolos como igualmente verdadeiras; pelos sábios como igualmente falsas e pelos governantes como igualmente úteis.”
Sêneca

“Se a bíblia está errada ao dizer de onde viemos, como podemos confiar nela ao dizer pra onde iremos?”
Justin Brow

“O medo das coisas invisíveis é a semente que chamamos de religião.”
Hermógenes

“Há duas coisas infinitas: o Universo e a tolice dos homens. E quanto à primeira eu não tenho tanta certeza.”
Albert Einstein

“Triste não é mudar de ideia. Triste é não ter ideia para mudar.”
Francis Bacon

“Não é possível convencer um crente de coisa alguma; suas crenças não se baseiam em evidências, mas numa profunda necessidade de acreditar.”
Carl Sagan

“Se 5 bilhões de pessoas acreditam em uma coisa estúpida, essa coisa continua sendo estúpida.”
Anatole France

A fábula de Cristo nos é tão lucrativa, que seria loucura advertir os ignorantes de seu erro.

“Algum homem primitivo, um dia, inventou a faca, para cortar peles e alimentos. Eis o cientista. Outro roubou seu invento e então o usou para matar. Eis o empresário. Outro regularizou aquele roubo e os assassinatos. Eis o político. Outro justificou a matança dizendo que era o desígnio de deus. Eis o religioso”.
Francisco Saiz

“O fato que um crente é mais feliz do que um cético não é mais pertinente do que um homem bêbado ser mais feliz do que um sóbrio.”
Bernard Shaw

“Não é que eu não acredite em nada. Simplesmente eu não acredito em qualquer coisa.”
Fernando Krynski Bianchi

“Se ao invés da fábula de Cristo nos tivessem sido contados pelos apóstolos relatos de seres elementais venusianos, que controlam todo o Universo, não estaríamos rezando para crucifixos, mas para velhinhos barbudos de gorros vermelhos.”
F.K.B.

“A religião é produto do medo e da ignorância e é a maior ferramenta de opressão e de controle social. Através dos tempos incitou o ódio, o preconceito e a intolerância. Leva nações à guerras e genocídios, em nome de seu deus Verdadeiro. Contribui para o atraso científico e a corrupção da razão humana. E ainda tem gente que acha que o mundo seria pior sem ela!”
Fernando Krynski Bianchi

fonte: http://www.orkut.com.br/Main#Profile.aspx?uid=18205705747848866696

O que é Religião? [Republicação]

Muito frequentemente nós somos enganados pelos nossos sentidos. E muito frequentemente, também, nós nos deliciamos com isso, a ponto de pagarmos para sermos vítimas de uma ilusão. Dos truques de mágica à indústria cinematográfica, esse aspecto da nossa condição humana nos tem feito enriquecer, ao longo dos séculos, aqueles que descobriram como nos fazer bem ao nos iludir. A religião, porém, é um exemplo claro de como uma ilusão pode se tornar danosa. 

Danosa, obviamente, para o lado que não está ficando milionário com a fé alheia. 

Pessoas religiosas costumam argumentar, baseadas em pesquisas científicas, que a crença em uma divindade é algo bastante benéfico para o indivíduo; seja para sua vida social ou para sua saúde física e emocional, por exemplo. Essa declaração, apesar de correta, não torna a fé religiosa menos prejudicial à nossa sociedade, à nossa civilização, e mesmo até à nossa espécie. Se for para analisar os prós e os contras, pode-se acabar chegando à conclusão de que é possível se adquirir, por outros meios, os mesmos benefícios atribuídos à crença em deuses, sem precisar trazer a reboque tudo de ruim que está, sempre esteve, e sempre estará vinculado à Religião. Tentar negar essa proposição é uma reação natural, fruto de um afundamento excessivamente longo dentro de uma sociedade doutrinada a pensar exatamente isso: que acreditar em deuses faz bem, sob todos os pontos de vista. Mas isso depende. E depende muito. E essa dependência é demasiadamente perigosa. 

Se, acometidos de uma mesma e gravíssima enfermidade, um crente e um ateu são submetidos a idênticos cuidados médicos, os resultados dessa atenção devem ser semelhantes. Entretanto, se por motivos diversos (e, na esmagadora maioria dos casos, perfeitamente explicáveis), o tratamento surtir efeito apenas em um deles, e o outro vier a morrer, a mente religiosa irá se apegar a uma das duas seguintes conjecturas, para sua própria conveniência. A primeira, se morrer o ateu, que a fé salvou o crente. A segunda, se morrer o crente, que foi a vontade de Deus, e devemos todos nos conformar com ela. 

Nos dois casos, o religioso está aplicando em si mesmo a ilusão que lhe rende aqueles supostos benefícios, e que engorda as contas bancárias daqueles que lhe incentivam a continuar acreditando que ele está se beneficiando de alguma coisa.

Acreditar que o ser supremo que criou todo o universo está tão preocupado com você a ponto de “auxiliar” na sua recuperação durante um tratamento médico intenso pode, sim, de alguma forma, contribuir para sua melhora, uma vez que, provavelmente, vai deixar você mais otimista, mais calmo, etc. Mas acreditar que o Todo-Poderoso vai curar você sem ajuda extra pode te levar à morte. Tão longe que estamos dos tempos bíblicos, Deus hoje só cura através de um bom plano de saúde.

O mais que passa nos shows de horrores dos programas religiosos que você assiste na tevê, e a que tantos olhos chorosos e desesperados veem como milagre divino, é tão somente um engodo; um embuste amalamanhado, quase sempre tão mal feito que só mesmo a vontade de ser iludido pra justificar a crença numa coisa tão explicitamente forjada.

Mas, no fim das contas, religião é apenas isso mesmo: a consumação de uma fraude aliada ao desejo de ser enganado por ela.

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Ninguém nasce racista

Em resposta ao vídeo abaixo (que, depois, foi marcado como “Privado”), segue o texto do médico psiquiatra e psicoterapeuta Telmo Kiguel, do blog Saúde Publica(da) ou não

Prezado Professor Hélio Santos

A sua bela explanação tem muito valor pela sua legítima e nobre preocupação pelo não avanço no combate ao racismo. Aliás, essa percepção é a mesma que já expusemos em vários posts aqui no blog.

A criminalização das condutas discriminatórias e os avanços nas políticas públicas a favor dos grupos discriminados não conseguem ter efeito de prevenção.

Existem três tipos de prevenção: primária, secundária e terciária. Quando falamos em prevenção, estamos nos referindo àquela que se antecipa à instalação do preconceito, a primária. Só teremos avanços verdadeiros e consistentes no combate ao racismo quando conseguirmos preveni-lo primariamente. E a prevenção em saúde só é possível quando se consegue conhecer, definir, entender o funcionamento do agente causador do sofrimento humano.

No caso da conduta discriminatória racista, o sofrimento infringido no discriminado é mental, sendo a ação somente verbal. E quando a ação, além de verbal, é também física, teremos sofrimento mental e físico.

Em medicina, sabe-se que o causador de sofrimento mental e/ou físico pode levar o outro ao suicídio. Sabe-se, também, que essa conduta não será modificada somente pela educação, pois esta corresponderia à prevenção secundária. Ao menos, não pela educação formal, rotineira, às quais estamos acostumados em todas as sociedades contemporâneas. Seria, mais ou menos, como dizer a um drogado que ele não deve se drogar. Se ela evitasse esse sofrimento, países com melhores indicadores de educação do que os nossos não teriam a ocorrência de condutas discriminatórias. Inclusive em escalas crescentes. E, aqui no Brasil, não teríamos manifestações discriminatórias originadas de pessoas com educação formal avançada/completa.

Quanto à sua interessante hipótese de que crianças nascidas numa ilha, na qual os educadores seriam “instrutores especiais, tais como judeus, ciganos, índios, negros, orientais” e que, em consequência, essas mesmas crianças não poderiam ser pessoas discriminadoras, leva-nos a concluir que educadores, de diferentes etnias e não discriminadores, não formariam filhos discriminadores. Porém, constata-se que filhos de casamento “misto” (branco/negro, religioso x não religioso, ocidental/oriental) não ficam imunes de serem discriminadores.

A sua afirmação de que “ninguém nasce racista” é muito pertinente para um bom debate. Nossa ideia é que, obviamente, o ser humano nasce psicobiologicamente imaturo e sem ideias pré-concebidas. As primeiras ideias ou conceitos – adequados ou não – são formados em casa e não nas escolas. E, se não amadurecer em casa para a aceitação/reconhecimento do outro diferente/diverso dele, poderá tornar-se um discriminador.

Um adequado amadurecimento mental de pais/educa-dores/sociedade, nessa ordem, certamente, pode ajudar a prevenir a formação de discriminadores. Quanto à sua afirmação de que o racismo é a instituição mais antiga do Brasil, caberia salientar o seguinte: caso consideremos a imagem da Primeira Missa como uma desconsideração com a religião dos índios, podemos entender aquele ato como uma imposição colonialista e discriminatória.

E, talvez, a conduta discriminatória mais antiga conhecida no Brasil!

Uma viagem até as estrelas

Minha tradução do tópico “Humanity in Space” (pág. 157), Cap. 5: O Universo Incompatível, do livro God: The Failed Hypothesis:


Muito já foi dito sobre as viagens espaciais. É propaganda enganosa como a busca por novos mundos é comparada às explorações europeias nas Grandes Navegações. Filmes como Jornada nas Estrelas e Guerra nas Estrelas levam as pessoas a pensar que, algum dia, tudo o que teremos que fazer é entrar numa espaçonave e cruzar a galáxia numa velocidade colossal. Cada planeta em que pousarmos é imaginado como tendo uma atmosfera e outras condições suficientemente parecidas com as da Terra que permitirão que andemos a vontade sem trajes espaciais. Dessa forma, e isso é tido como provável por muitos, a humanidade irá, gradualmente, povoar o universo.

Só que isso não é tão fácil quanto dizer: “Assuma o comando, Sr. Spock.” Vamos considerar alguns números. Uma espaçonave a 11,1 km/s, que é a velocidade de escape da força gravitacional da Terra, levaria 14.000 anos para chegar a Alfa Centauro, o mais próximo sistema estelar. Essa mesma espaçonave levaria 3 bilhões de anos para cruzar a galáxia. A mais otimista estimativa é de que planetas assemelhados à Terra estejam separados, em média, por 500 anos-luz, dependendo de como você defina “assemelhado”. Isso seria o equivalente a uma jornada em que os tripulantes passariam por 16 gerações, e isso viajando-se a uma velocidade próxima à da luz. Aqui, vale a pena ressaltar, para encontrar um planeta apenas sendo considerado assemelhado à Terra, o que não significa que seria um em que os humanos poderiam viver sem qualquer auxílio à vida. Na verdade, não é provável que estejamos aptos a viver na grande maioria desses planetas desde que não é provável que eles sejam exatamente como a Terra em cada detalhe necessário para a sobrevivência humana.

A Teoria Especial da Relatividade de Einstein torna, em princípio, possível atingir qualquer lugar no universo no tempo de vida de um astronauta a bordo de uma espaçonave. A nave só teria que viajar rápido o bastante em relação à Terra. De acordo com o que é chamado de “dilatação do tempo”, o tempo num relógio em movimento passa mais devagar do que num outro em repouso. Em um efeito relacionado chamado “contração Fitzgerald-Lorentz”, o comprimento de um objeto se contrai na direção do seu movimento. Esse fenômeno que desafia nossa senso comum de espaço e tempo tem sido amplamente confirmado em experiências e outras observações.

O jeito que isso se aplicaria para a nossa espaçonave seria o seguinte. Dentro dela, nossos astronautas não experimentariam qualquer diminuição de ritmo dos seus relógios biológicos, que estariam de acordo com todos os outros relógios a bordo da aeronave. Só que a distância da Terra até o seu destino iria se contrair, enquanto medida a partir do seu próprio ponto de vista. Uma pessoa na Terra mediria a distância usual entre os objetos astronômicos, mas notaria que os relógios da espaçonave marcariam o tempo mais vagarosamente e os astronautas envelheceriam mais lentamente.

Digamos que fôssemos capazes de construir uma espaçonave que pudesse manter uma aceleração constante g, isto é, a aceleração da gravidade na Terra, que iria também proporcionar o conforto de uma gravidade artificial para os nossos astronautas. Essa nave chegaria em Alfa Centauro em 5 anos após o seu lançamento na contagem dos que ficaram, mas os astronautas teriam registrado uma viagem de pouco mais de 2 anos. Em 11 anos, no tempo marcado na nave, eles atingiriam o centro da nossa galáxia. Mas nesse mesmo período, quase 27.000 anos teriam se passado na Terra. Depois de 15 anos contados pelos astronautas, de acordo com os relógios a bordo, eles teriam chegado a Andrômeda, a 2,4 milhões de anos-luz de distância. Mas, então, uma vez que toda a viagem foi feita próximo da velocidade da luz, os mesmos 2,4 milhões de anos também teriam se passado na Terra. E após 23 anos de viagem os astronautas teriam cruzado as fronteiras do universo hoje conhecido, mas 13,7 bilhões de anos teriam se passado numa, já há muito extinta, Terra.

Caso os astronautas optassem por parar em qualquer um desses pontos na sua viagem para explorar planetas assemelhados à Terra, então esses tempos teriam que ser duplicados, uma vez que eles só poderiam acelerar durante metade da viagem, sendo toda a outra metade empregada na desaceleração até parar no planeta escolhido.

O fato inevitável parece ser que as pessoas que se dispusessem a explorar o universo iriam, efetivamente, se “apartar” da Terra. Mesmo que eles fossem apenas até o centro da Via Láctea e voltassem 40 anos mais velhos, eles regressariam para uma Terra no futuro, 104.000 anos após a data do lançamento. Basicamente, qualquer humano que fizesse uma “jornada nas estrelas” deixaria para sempre a sua família, a sua sociedade, e mesmo a sua espécie.

Note que eu não declarei qualquer limitação técnica para argumentar que voos espaciais para as estrelas e galáxias são impossíveis. Apesar de que um método para acelerar uma espaçonave para bem próximo da velocidade da luz esteja além de qualquer tecnologia atualmente conhecida ou imaginada, nós não podemos descartar isso das futuras gerações.

Mas suponha que tais explorações, algum dia, realmente aconteçam. Quão parecido com a Terra um planeta tem que ser para que nós possamos viver lá? A vida na Terra evoluiu sob esse bem especial conjunto de condições que existe aqui. Nós estamos adaptados para viver na Terra e não em qualquer lugar no espaço. Nós não seríamos em nada pessimistas em imaginar que viajantes do espaço teriam que enfrentar uma jornada de dezenas de milhares de anos-luz, no mínimo, antes de encontrar um planeta em que pudessem desembarcar e morar sem que fosse preciso usar uma enorme parafernália de suporte à vida.

A ideia que frequentemente se tem é que a humanidade pode, algum dia, viver no espaço exterior, dentro de estações espaciais orbitando a Terra e outros planetas. Entretanto, mesmo se essas estações reproduzirem todas as condições da Terra, elas não poderão lidar com os raios cósmicos dos quais nós, na Terra, estamos protegidos pela atmosfera. Essa mesma ameaça proíbe viagens muito longas no espaço do tipo descrito acima. Mesmo as tão sonhadas missões a Marte exporia os astronautas a doses de radiação que encurtaria o tempo de vida deles. Viagens para fora do sistema solar iriam matá-los.

Talvez uma tecnologia futura resolva também esse problema. Talvez a engenharia genética fabrique novos tipos de seres humanos, realmente espécies novas, adequadas para viagens no espaço. E, claro, sempre poderemos mandar robôs.

Quaisquer que sejam as possibilidades imaginadas, a conclusão mais forte é que humanos não foram construídos para viver em qualquer lugar que não seja essa ínfima partícula azul no vasto universo. Talvez outras partículas semelhantes existam pelo universo afora, mas é improvável que o Homo Sapiens consiga encontrá-las. Nossa espécie está abandonada no cosmos, na espaçonave Terra, e estará extinta muito antes do Sol queimar seu último átomo de Hidrogênio.


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