A Sociedade Torturadora de Bebês

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Felizmente, vivemos numa sociedade em que “ser religioso” não implica em cumprir à risca as vontades que Deus deixou manifestas no livro sagrado que mandou escrever para o seu povo escolhido. Eu duvido que, num sábado qualquer, você fosse capaz de liderar uma multidão para sair por aí apedrejando pessoas que estivessem trabalhando. E acredito que você deve ter um bom motivo para não fazer isso, visto que foi o próprio Deus que deu tal orientação [Números, 15:32-36].

Recentemente ouvi essa desculpa de um teólogo:

Os autores sagrados não psicografaram a Bíblia. Foram inspirados por Deus a escrever os textos, daí terem colocado neles suas limitações intelectuais, seus costumes e sua moral.

Num concurso de “desculpas”, essa ganharia o primeiro lugar, porque, sem dúvida, é uma obra de arte.  Ela permite que o crente siga os versículos bíblicos que bem quiser, como se fossem a verdade incontestável, a letra fria da lei, a palavra viva do seu Deus. Ou, quando calhar, permite que se declare certas passagens — quando não livros inteiros, como o de Jó — como sendo alegóricas, simbólicas, carecendo de uma interpretação. E, quando é o caso também, permite que se entenda que tal e tal versículo está apenas relacionado à época em que foi escrito, sem efeito, portanto, nos dias de hoje.

— A cobra falante?

— Ah!, aquilo é só uma alegoria…

— É pra apedrejar a mulher que trai o marido?

— Claro que não! Isso era um costume daquela época.

— O dízimo…

— Tem que dar o dízimo sim. É sagrado. Está na Bíblia. E a Bíblia é a palavra de Deus.

 

Alguém deveria sugerir ao Vaticano reimprimir o livro sagrado católico com o texto indicando, em itálico, o que é apenas uma alegoria; em vermelho, o que não deve mais ser aplicado atualmente; e, em negrito, a palavra imutável de Deus. Mas talvez o Vaticano ache que, se o próprio Deus não viu problema em deixar tudo misturado assim, sem a menor dica de qual é qual, por que eles deveriam ver?

Isso traz de volta uma questão que vi ser formulada pela primeira vez por Richard Dawkins: se um religioso é capaz de discernir na Bíblia o que é e o que não é moralmente aceitável, então a moral dele deve vir, obrigatoriamente, de outra fonte que não a palavra do Deus dele, e deve estar acessível a todo mundo; ateus inclusos.

Sabe aquela frase famosa do livro russo?* “Se Deus não existe e a alma é mortal, então tudo é permitido”.  Ela me foi endereçada, numa versão mais específica, por alguém que me escreveu dizendo que, se não fosse por Deus existir, nós poderíamos fazer qualquer coisa, até torturar bebês, pois não haveria um padrão de moral a nos guiar que pudesse nos dizer que torturar bebês é uma coisa errada.

Pessoas com esse pensamento têm que achar que nós seríamos monstros sobre a Terra se não fosse o Deus particular deles. Seríamos canibais, estupraríamos nossas mães, torturaríamos bebês. Mas isso graças ao equívoco de atribuírem a nossa moral à sua divindade sagrada. Elas entendem que as coisas se nos apresentam certas ou erradas porque Deus nos inspira a vê-las como ele as vê. O problema, parece, é que Deus é um tanto quanto… digamos… volúvel demais para ser considerado um padrão.

Houve um tempo em que Deus achava certo punir com a morte por apedrejamento quem trabalhasse no sábado. Depois ele veio com essa de que “O sábado foi feito para o homem, não o homem para o sábado”, que, sejamos sinceros, parece mais uma das frases enigmáticas do Mestre dos Magos. Se ele teve o trabalho de armar todo aquele circo para descer à Terra na forma humana e deixar sua “Boa-Nova”, bem que poderia ter sido mais claro.

Deus também era escravocrata, o que era uma coisa muito conveniente para o seu povo escolhido, que adorava ter escravos, e não só porque eles poderiam trabalhar durante o sábado**, fazendo o que não lhes era lícito fazer. E, então, Deus deve ter mudado de opinião de novo, porque ninguém no mundo civilizado considera a escravidão algo moralmente aceitável.

Deus ordenava, também, a morte dos que tentassem desviar um judeu para adorar outros deuses. Hoje ele é bem mais tolerante quanto a isso, e nem ateus como eu correm perigo. E por aí vai… Se é a isso que os cristãos chamam de padrão de moral, eu gostaria de saber o que, então, eles considerariam como “falta de padrão” moral.

Nossa moral não vem de Deus, nem de nenhuma outra divindade. Ela vem de nós mesmos. Cada sociedade determina o que deve ser considerado como “certo” e como “errado”. Mas existe uma “moral comum”, intrínseca à humanidade, através da qual nós consideramos não só corretas, mas esperadas, atitudes que denotem respeito à vida, à família, à propriedade, por exemplo. E foi essa moral comum que nos impediu de nos autoaniquilarmos como espécie.

Se, alguma vez, existiu uma sociedade em que era moralmente aceito o assassinato, ou a tortura de bebês, ela foi extinta, levando consigo seu senso de moral inviável. Tão inviável que não restou nenhum deles para contar a história.

 

*O leitor Dimitri esclareceu que essa frase não aparece no livro Os Irmãos Karamazov, de Dostoiévski, sendo uma paráfrase resumida de um trecho do livro. Mais informações Aqui.

**O leitor Dimitri também me chamou a atenção para o fato de que era proibido aos escravos de judeus trabalharem no sábado (Deuteronômio 5:14). Ainda assim, um Deus escravocrata.

Deus: Efeito Colateral da Evolução.

Baseado na teoria que Dawkins expôe em seu livro.

Do Leitor e Amigo Iori Bruno *

Fto BY NáJung

Diga o que quiser, mas saiba do que está falando.

Esta é uma premissa básica de uma discussão. Não se pode discutir ou defender o que não é, pelo menos parcialmente, conhecido. Por isso senti necessidade de esclarecer um fato e comentar sobre outro.

Uma das idéias mais erradas em relação à evolução é a de que ela é aleatória. Não é.

O que originou esse lamentável engano foi a concepção enganosa de que a evolução caminha através de “tentativas” e que, por isso, é cega e regida pelo acaso. Nada além de falta de conhecimento. A evolução acontece a partir de anomalias físicas ou comportamentais que são geradas por mutações no DNA. Anomalias estas que podem beneficiar ou não, a chance de sobrevivência de um animal, como um pescoço mais longo ou garras mais compridas. Se este animal sobreviver tempo suficiente para se acasalar, sua carga genética e sua mutação serão passadas adiante. Se não sobreviver até o acasalamento, essa mutação morre com ele. Significa que não deu certo. Não existe um talvez. É sim ou não. E desta forma, através de um processo simples, eficiente e inexorável, a vida se modifica e se aprimora. Só para se ter uma idéia de como o processo da evolução é natural, vamos imaginar uma bola. Porque ela é esférica? Parece uma pergunta estúpida, mas não é. Ela é esférica porque é a melhor forma de evitar o atrito e assim desempenhar com a maior eficiência possível sua função, no caso rolar. Se ela tiver lados e a rolarmos pelo chão vai ser uma tarefa difícil mas, com o tempo, se tornará cada vez mais esférica e, assim, lentamente facilitando o processo. A as forças que agem neste caso são a gravidade e o atrito. No caso dos animais, o ambiente e a competição são as força motrizes para o aperfeiçoamento. Tudo no universo caminha para a eficiência. Há um sentido na evolução. O acaso não existe aqui.

Bom, agora que o processo de evolução está resumidamente explicado, passemos para o próximo assunto: Deus.

Um dos fatos mais curiosos que existem na evolução são os subprodutos.

Para explicar melhor, deixe-me pegar outro exemplo.

As mariposas são insetos voadores noturnos e orientam-se pelas fontes naturais de luz que existem à noite: a lua e as estrelas. Esse sistema de navegação foi e continua sendo, um importante passo em sua evolução. Porém há um inconveniente. O homem.

Você já deve ter percebido sobre o que estou falando. Acenda uma fogueira ou observe uma lâmpada em seu quarto à noite e verá que elas (as mariposas) ficam hipnotizadas, mergulhando no fogo ou chocando-se incessantemente contra o bulbo da lâmpada. Elas não podem evitar. Confundem uma vela como sendo uma dessas fontes de luz e não percebem o perigo ao se aproximarem. Suicidam-se estupidamente. E esse comportamento é um subproduto de sua evolução. Assim como a religião.

Em nossa espécie, sempre tivemos que lidar com predadores melhores “equipados” e por isso sempre tivemos que evitá-los. Principalmente na infância quando estamos mais vulneráveis. Nesse contexto uma criança que ouve seus pais ou parentes avisando sobre o perigo de nadar num rio com crocodilos e mesmo assim não acredita, não dura muito. Mas as crianças que escutam e acreditam, sobrevivem, e se tornam adultos para passar seus genes adiante. Isso fez com que a evolução beneficiasse as crianças que eram predispostas a obedecer os mais velhos e acreditar no que eles estavam falando. Acontece que quando o que ouviam era mentira, elas acreditavam da mesma forma. Simplesmente consideravam como verdade porque já estavam (e estão) inclinadas, através de seus genes, a acreditar antes de pensar.

A fé é um efeito colateral. Um subproduto de um comportamento que nos foi muito útil no passado e continua sendo, mas que leva as pessoas a seguir na direção de uma chama imaginária, buscando orientação e, às vezes, as faz suicidarem-se com a convicção de que encontraram o caminho.

Projeto divino? Não somos melhores que mariposas.


Mundo

Certas condições tendem a enclausurar o diálogo numa camisa de força, dificultando enormemente a solução dos problemas!

Atualmente, o avanço da religião parece ser muito mais expressivo do que a sua rejeição!

Confunde-se fanatismo religioso e religiosidade.

Dawkins, por exemplo, reconhece a existência de um tipo de religião decente e contido, mas alega que ele é numericamente irrelevante, diante do fanatismo dominante.

Os ateus  simplesmente estão expressando com clareza as suas opiniões, tomando posição num debate importante e forçando as pessoas a reavaliarem suas convicções. Isso é um bom sinal, pois, por muito tempo na história da humanidade, os ateus tiveram de se manter calados. E agora estão se sentindo à vontade para expressar suas opiniões sem receio de punição. Enquanto nos mantivermos no plano da discussão intelectual esclarecida, teremos todos a oportunidade de nos beneficiar.

Mas simplesmente chegar à conclusão de que a religião é uma forma de fanatismo irracional e se fechar a qualquer possibilidade de discutir o assunto de maneira mais aberta, pode reforçar nesse contexto, o risco que correm os neo-ateístas é o de terem suas críticas ao fundamentalismo religioso apropriadas pelo fundamentalismo americano belicista, por exemplo, que já se arvora em defensor da racionalidade ocidental contra o fanatismo islâmico e não teria escrúpulos em aproveitar-se desse reforço ideológico.

No conflito entre árabes e judeus, que se chegou a uma situação em que todos perdem, enquanto continuarem agindo como estão. E isso talvez nos fornecesse alguma pista prática para resolver o mais importante conflito contemporâneo, que não é aquele entre os fanáticos religiosos e os ateus iluministas, mas aquele entre o fundamentalismo islâmico terrorista e o fundamentalismo americano belicista. O primeiro encontra no fanatismo religioso suicida a única resposta à humilhação que sofre sistematicamente da civilização ocidental, representada pelos Estados Unidos da América. O segundo encontra na guerra preventiva e unilateral, sem apoio da ONU, a única resposta aos atentados que vem sofrendo. E a verdade é que não há diálogo. Ninguém se preocupa em compreender o que está se passando com o adversário, para tentar uma mudança significativa de estratégia.

Mas a postura adotada pelos neo-ateístas envolve pelo menos duas dificuldades.

Em primeiro lugar, apesar da boa intenção de combater o fundamentalismo em todas as suas formas, eles acabam confundindo fanatismo religioso com religião. O fanatismo religioso é um problema grave que todas as épocas históricas tiveram de enfrentar. Muita incompreensão e violência resultaram dele. Mas ele não se identifica com a religião ou com a religiosidade, entendida como a experiência íntima de contato com uma realidade superior. Essa experiência foi a marca característica de muitos gênios que contribuíram de um modo ou de outro para o melhor conhecimento de nós mesmos enquanto seres humanos. De um modo geral, todos ou quase todos eles tiveram suas criações originais influenciadas ou baseadas em alguma vivência religiosa.

Porém sugere que façamos essa reavaliação através de uma conversação democrática e sem coerções, mantendo sempre em mente a precariedade e a contingência  de um mundo em que somos constantemente levados a reavaliar nossas crenças em função das mudanças de circunstâncias. É certo que o debate está lançado no domínio público da conversação da humanidade e o que temos a fazer é tentar extrair o melhor dessa situação, sem acusações desnecessárias de fundamentalismo e com abertura de espírito suficiente para que a discussão possa ser levada a bom termo. Nada como uma atitude sadia de diálogo crítico, em que as partes envolvidas possam apresentar, sem coerções, suas opiniões a respeito de um tema tão importante como esse para o conhecimento de nós mesmos.

Quando os deuses se cansam – parte 2

O crente, por definição, não tem dúvida quanto à existência de Deus, ou qualquer deus no qual ele creia. Mas uma das respostas que se costuma dar à pergunta “O que te faz pensar que Deus realmente existe?” está solidamente ligada à “ilusão do projeto”. As pessoas olham para o mundo à sua volta e veem a obra de um criador, de um projetista; então assumem que esse criador existe, uma vez que sua “obra” é evidente.  

Mas isso só acontece porque elas veem um mundo que muda ao longo das eras com os olhos de quem vive um mísero século, se tanto. Quando a ciência nos deu olhos que enxergaram esse mesmo mundo dentro de um período de tempo maior  bem maior , nós nos demos conta do que realmente aconteceu. Nós não estamos olhando para um projeto. Estamos olhando para o que sobrou pra se ver de uma guerra sem fim pela sobrevivência. 

No filme que postei semana passada, Richard Dawkins mostra um esquema que um amigo montou para exemplificar a Teoria da Evolução, que você poderia facilmente reproduzir como segue: 

1. Coloque sobre uma determinada superfície de terra coberta com folhagem umas tantas variedades de espécies de insetos. 

2. Peça a um grupo de crianças para que apontem, de uma certa distância da área em questão, o máximo de insetos que puderem avistar. Cada vez que se “descobrir” um inseto no meio da folhagem, você deverá tirá-lo da área de teste. 

Depois de algum tempo, você deverá notar que as crianças não mais conseguirão identificar nenhum inseto, embora, muito certamente, ainda estejam por lá algumas espécies que praticamente são impossíveis de se ver daquela distância devido a certas características que as confundem com o ambiente. 

Um outro grupo de crianças, totalmente alheio ao que foi feito pelo primeiro grupo, trazido para fazer a mesma coisa, talvez não conseguisse avistar mais nenhum inseto, pois todos os que se mostraram mais fáceis de serem avistados já haveriam sido postos à parte.

Alguém presente, após mostrar às crianças do segundo grupo um inseto perfeitamente camuflado sobre as folhas, que elas não haviam percebido, bem como ninguém do grupo anterior, poderia sugerir que Deus havia “desenhado” aquele inseto daquele jeito para que ele pudesse se confundir com as folhas e se proteger de seus predadores. As crianças não teriam por que duvidar. Realmente, mostrando-se assim, que outra explicação poderia haver? Elas estariam contemplando um inseto que parecia, de fato, poder ficar invisível na folhagem. O inseto, por si, não poderia ter feito aquilo. Assim sendo, era de se esperar que alguém o tivesse desenhado mesmo. 

Pronto. É a isso que se chama de “ilusão do projeto”.  

 

[Parte 3: quinta-feira, 30.]

 

A arrogância cega da fé

Se você clicar Aqui vai assistir a um vídeo no YouTube em que o zoólogo e escritor Richard Dawkins dá uma resposta desconcertante para uma jovem de uma universidade para moças na Virgínia, US, na seção de perguntas logo após uma palestra para a qual ele fora convidado para fazer a divulgação do seu mais novo livro: Deus, Um Delírio.

Com relação à descrença em Deus por parte do palestrante, a jovem fez a seguinte pergunta: “E se você estiver errado?”.

A RESPOSTA:

— Bem, o que define ‘errado’?… ou seja, qualquer um pode estar errado. Nós todos podemos estar errados sobre o Monstro de Espagetti Voador (1), sobre o Unicórnio cor-de-rosa, ou sobre o Bule de Porcelana Cósmico (2). Você, por acaso, foi criada, eu presumo, dentro da fé cristã. Você sabe o que significa não acreditar em uma determinada fé porque você não é muçulmana, não é uma hindu. Por que você não é hindu? Porque aconteceu de você ter crescido nos Estados Unidos, não na Índia. Se você tivesse sido criada na Índia, seria uma hindu. Se você tivesse sido criada na Dinamarca, no tempo dos Vikings, você acreditaria no Terrível Martelo de Thor. Se você tivesse crescido na Grécia Clássica, acreditaria em Zeus. Se você tivesse sido criada na África Central, acreditaria no Grande Ju-Ju da Montanha. Não há nenhuma razão particular para se escolher o Deus judaico-cristão no qual, por puro acaso, você foi criada acreditando. E você me faz a pergunta ‘e se eu estiver errado?’. E se VOCÊ estiver errada acerca do Grande Ju-Ju do fundo do mar?”

A questão é que, via de regra, o crente, seja de que religião for, quer impor a sua divindade a todo o resto do mundo como sendo a única verdadeira. Ou, no mínimo, está totalmente convencido disso. Daí, das duas uma: ou todas as divindades são verdadeiras, ou nenhuma é.

Toda fé é apenas fruto da ignorância. Não no sentido pejorativo do termo, mas no sentido de que quanto mais se pensa, quanto mais se raciocina, menos fé se tem. Por isso a fé se sustenta nos dogmas (=aceite e não pense a respeito), sempre foi inimiga da razão (“A Razão é a meretriz do Diabo” – Martinho Lutero), e sempre tentou, à custa de muitas vidas, se manter acima da ciência na preferência do povo. “A Igreja entende que a Terra é plana”: problema dela. Mas, ops!, quem divulgar o contrário será barbaramente torturado e queimado vivo! Problema nosso. Muitos séculos, e muita barbárie depois, a Igreja reconhece o erro. “Agora a Igreja entende que a Terra é redonda, mas continua sendo o centro do universo”: problema dela. Mas, ops!, quem divulgar o contrário será barbaramente torturado e queimado vivo! Problema nosso. Muitos séculos, e muitas vidas depois, a Igreja reconhece o erro. “Agora a Igreja entende que a Terra é redonda e não é o centro do universo, mas considera pecado usar embriões humanos para pesquisa, e camisinha nas relações sexuais” porque “atenta contra a vida”. Infelizmente, para muitos religiosos, a Igreja não pode mais usar os seus instrumentos de tortura e suas fogueiras para difundir e “solidificar a fé”, mas a pergunta é: mais quanto tempo vai passar e mais quantas vidas vão ter que se perder até que ela admita novamente que errou?

Por causa dessa arrogância, milhões de pessoas foram mortas e torturadas e ainda estão sendo mortas e torturadas, de um jeito ou de outro. Milhões de mulheres foram queimadas vivas apenas porque sabiam curar algum mal-estar usando plantas medicinais e chás… ou, simplesmente, porque “aparentavam” ter um conhecimento, inteligência ou comportamento superior ao dos homens, ou diferente do que os homens achavam conveniente ser esperado numa mulher ou de uma mulher.

Não espero que você consiga imaginar o que significa milhões de pessoas sofrendo no ato da sua execução por discordarem do que seus executores acreditam.

Mas acho que você poderia se esforçar um pouco para imaginar a raiva desesperadora que sentiria se fosse VOCÊ quem estivesse amarrado ao tronco na hora em que a palha fosse acesa, condenado a queimar lentamente até a morte por acreditar em algo que seus executores não acreditam… por exemplo, que a Terra é redonda…

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(1) Uma lenda amplamente difundida na Internet: The Flying Spaghetti Monster

(2) “The orbiting china* teapot” mencionado em Deus, um Delírio: uma proposição do filósofo Bertand Russell de que haveria um bule em órbita entre a Terra e Marte, e que, pelo fato de não ser possível provar que ele não existe, não se poderia concluir que ele realmente exista.

*porcelana

Por que não acreditar – 3ª parte (final)

Quando se trata de Deus, não é diferente. Acreditar que existe um Deus todo-poderoso, que ouve suas preces, que o protege de perigos, e que criou um paraíso pra onde ele irá depois que morrer ― isso como uma espécie de bônus, pois só a perspectiva de ter “algum lugar para onde ir depois de morrer” já seria suficiente ― traz grandes benefícios para o crente: sociais, psicológicos, físicos e, muitas vezes, financeiros (se bem que este é mais frequente entre os pastores do que entre as ovelhas). Acreditar nisso lhe faz tanto bem, é tão reconfortante e lhe traz tantas vantagens que ele veria como um grande prejuízo o fato de “deixar de acreditar”, a tal ponto de:

1. dar prioridade, no nível social, aos relacionamentos e ao convívio com pessoas que compartilhem sua fé;

2. consumir produtos especialmente “desenhados” para ele: músicas religiosas, livros religiosos, filmes religiosos, programas de tv, etc.;

3. aceitar tão somente as informações que venham reforçar sua crença;

4. rejeitar consciente e inconscientemente qualquer coisa que venha de encontro às suas convicções religiosas;

5. permitir que outras pessoas que ele humildemente julga mais fortemente “conectadas” com Deus decidam por ele como ele deve viver a sua própria vida; e

6. aceitar, sem contestação, coisas que não entende, mas pelas quais seria capaz de morrer… ou matar. E é esse, segundo Richard Dawkins, um dos mais trágicos efeitos da religião: ensinar que é uma virtude ficar satisfeito em não entender.

O crente, portanto, está imerso num processo autoalimentador da fé, engenhosamente montado e mantido para protegê-lo das investidas da razão.

Entretanto, como no caso da Mala Azul, o outro lado da moeda seria o “descrente”, aquele que “acredita” que Deus não existe. E era justamente aqui aonde eu queria chegar: essa qualidade não pode ser atribuída aos ateus. Nós não temos fé com sinal invertido. Nós, ateus, não cogitamos a possibilidade de Deus ser real, assim como ninguém cogitaria a possibilidade de ser real eu guardar embaixo da minha cama um sextilhão de dólares. Não é questão de acreditar ou não: é apenas uma ideia absurdamente implausível demais que não merece sequer a dúvida educada das possibilidades.

Ser ateu é compreender que não existe um sextilhão de dólares.

O preço que pagamos por isso é o de termos que encarar a vida sem os benefícios e bálsamos que a fé proporciona. A vantagem é estarmos vivendo no mundo real, acordados, com a certeza de que esta é a única vida que teremos; o que a torna, por isso mesmo, ainda mais valiosa.


Ciência e Religião

A Religião tem um grave problema de falta de critério quando o assunto é Ciência. Se eu sou uma pessoa religiosa e a Bíblia me diz, por exemplo, que, quando do Dilúvio, a Terra foi totalmente encoberta com água até muito acima do seu ponto mais alto, enquanto que a Ciência argumenta que toda a água presente na Terra não seria capaz, sequer, de enlamear toda a superfície do planeta, eu digo para mim mesmo: “A Bíblia é que está certa. A Ciência é falível”. Mas, alguém poderia perguntar, não é nessa mesma Ciência Falível em que se confiam alguns dos processos mais importantes do Vaticano, como o da canonização e o da autorização para exorcismo? Esses processos não exigem claramente que essa Ciência Falível dê o aval de que tal e tal ocorrência não tem explicação científica e, mais ainda, desafia o próprio conhecimento científico como um todo?

E alguém poderia imaginar ainda ― como argumentou Richard Dawkins no seu livro “Deus, um Delírio” ―, no caso hipotético de escavações arqueológicas encontrarem, digamos, algum resquício de cabelo, sangue, etc., que pudesse ser atribuído a Jesus Cristo e, após os exames em um renomado laboratório genético, fosse anunciado que a amostra encontrada possui duas cadeias de DNA idênticas, ambas vindas da mãe (sem o cromossomo Y masculino), concluindo-se, assim, que a pessoa a qual pertencia aquele fragmento foi gerada exclusivamente por uma mulher… pois bem, alguém seria capaz de imaginar o Papa Bento XVI aparecendo na manhã seguinte para dizer a uma multidão de fiéis ansiosos na Praça de São Pedro que “Essa declaração não deve ser levada muito a sério porque a Ciência é falível”??? Ou seria mais provável que o Vaticano fizesse tocar trombetas pelos quatro cantos do mundo para anunciar a “comprovação científica” da natureza divina de Jesus? A Ciência não poderia estar, de repente, equivocada? A resposta é não.

Pelo menos não quando for conveniente.