Jesus Abominável (parte 4)

 jesus fofo

Jesus é uma marca tão ou mais famosa do que a Coca-Cola, mas só que de domínio público. Já imaginou se você montasse uma fabricazinha de refrigerante no fundo do quintal e pudesse pôr nele a marca da Coca-Cola? Você ia ganhar uma grana, mesmo que a sua água com açúcar gaseificada fosse de uma qualidade infinitamente inferior à original americana. Meus amigos, embora a sede seja igual para todos, as formas de saciá-la variam de acordo com os bolsos. A “sua” Coca-Cola ia vender feito água, por assim dizer… 

Com o novo deus cristão ocorre a mesma coisa: você pode, usando a marca Jesus, pintar o seu como melhor lhe convier, e os fiéis vão vir do mesmo jeito. Porque eles têm sede de ilusão.

Domingo que vem, vai ser inaugurada uma nova boca de culto evangélica a cerca de duzentos metros da minha varanda. Eu sei disso porque o pastor-microempreendedor dono da boca alugou um carro de som e vem divulgando o evento desde sexta-feira passada. Na propaganda, ele chama as pessoas para o culto de inauguração alardeando resolver todos os problemas com drogas, prostituição, obras de feitiçaria, dívidas, e ainda anuncia que será sorteado um fogão Esmaltec de quatro bocas.

Eu respiro fundo e me encho de alegria ao me dar conta, mais uma vez, de como Jesus Cristo é inútil pra mim. Não sou viciado em nenhum tipo de droga, não me prostituo, minhas contas estão em dia e não sei cozinhar.

 

 

 

Jesus Abominável (parte 3)

 smilinguido

Numa discussão com um crente, um ateu sempre estará em desvantagem porque, enquanto o ateu será obrigado, por motivos óbvios, a se apegar ao mundo real, o crente estará considerando um mundo de faz de conta que só existe dentro da sua cabeça, e que se ajusta às suas vontades, às suas conveniências e — o melhor de tudo — aos seus argumentos. O maior trunfo da fé religiosa, entretanto, é a possibilidade que o crente tem, com a tácita permissão de seus guias espirituais, de se desligar completamente desse mundo inventado e viver no mundo real a maior parte do tempo. Em outras palavras, o crente só é mesmo crente dentro dos muros de sua boca de culto. Do lado de fora, enquanto sujeito aos mesmos riscos e fustigado pelos mesmos problemas que eu, por exemplo, ele irá focar sua atenção no mundo real mesmo, e agir como se seu Deus não existisse.

Acontece que essa noção de que é preciso agendar hora e lugar para acreditar em Deus é aprendida a duras penas ao longo da vida, e uma criança à qual foi ensinado que Deus irá lhe proteger de todos os perigos pode não ter uma vida tão longa assim. Eu mesmo lembro de ter colocado em risco minha vida de garotinho levado, por duas vezes, por achar que Deus estaria cuidando de mim.

A minha leitora beata poderia sabiamente destacar que o fato de eu ter escapado da morte reflete a mesma proteção divina que eu pretendo refutar. O problema desse pensamento é que ele faz parte daquele ajuste que o crente tem que fazer no mundo real, para criar seu mundo de faz de conta. O cuidado celeste, nesse e em todos os casos em que o crente enxerga o dedo de Deus, é sempre considerado em retrospecto. Se a sorte esteve a seu favor, se uma prece foi “atendida”, se um menino de 8 anos conseguiu atravessar um rio caudaloso equilibrando-se sobre um tronco ensebado de musgo, então o crente pode ver ali uma intervenção do seu deus específico. Caso contrário, e para servir aos seus propósitos, ele pode apenas ver o andamento do curso natural das coisas, onde Deus não toma partido, onde você não deve esperar que tudo lhe caia do céu, onde uma criança comete as imprudências próprias da idade e sofre as devidas consequências. E esse é o mesmo mundo sem Deus ao qual eu pertenço.

Por sorte, e à custa de muito sofrimento, de uma forma ou de outra cada um de nós acaba aprendendo que Deus não passa mesmo de uma ilusão, e trata de agir de acordo com a realidade que nos cerca. Muitos, porém, guardam para certos encontros sociais regulares as demonstrações de confiança e adoração que não podem dispensar o tempo todo àquela divindade fictícia, enquanto vivem suas vidas reais no mundo real. É como o respeitado pai de família que, depois de dias seguidos de trabalho árduo, sente-se no direito de encher a cara e agir como idiota na frente dos parentes, num churrasco de fim de semana.

Mas educar um filho na ilusão de que uma criatura invisível que vive numa dimensão mágica irá resolver os seus problemas, guiá-lo pelos melhores caminhos e protegê-lo de perigos continua sendo, sem dúvida, um ato de irresponsabilidade, para dizer o mínimo.

Minha irmã pretende incutir a duvidosa moral cristã nos meus sobrinhos através da ameaça com a qual Jesus os amaldiçoou: ou fazem o que agrada a ele, Jesus, ou irão passar a eternidade no Inferno. Um equívoco tão ridículo como ensinar aos filhos que é a luz vermelha do semáforo o que para um carro antes da faixa de pedestres. Não, você não deve bater na sua coleguinha de classe, mas não porque isso desagrada uma criatura mitológica. E não, não é a luz vermelha que faz os carros pararem para você atravessar a rua; nem são os freios, mas a pessoa que está dirigindo o veículo. 

Estou esperando meus sobrinhos crescerem um pouco mais, para enfim lhes mostrar que o Jesus que estão sendo treinados para cultuar não tem nada de bonzinho, nem qualquer vínculo com a palavra amor.

Jesus Cristo está mais para um monstro abominável.

 

Cabaré processa igreja

 No Ceará, cabaré processa Igreja Universal

Em Aquiraz, no Ceará, dona Tarcília Bezerra construiu uma expansão de seu cabaré, cujas atividades estavam em constante crescimento após a criação de seguro desemprego para pescadores e vários outros tipos de bolsas.

Em resposta, a Igreja Universal local iniciou uma forte campanha para bloquear a expansão, com sessões de oração em sua igreja, de manhã e à noite. O trabalho de ampliação e reforma progredia célere até uma semana antes da inauguração, quando um raio atingiu o cabaré queimando as instalações elétricas e provocando um incêndio que destruiu o telhado e grande parte da construção.

Após a destruição do cabaré, o pastor e os crentes da igreja passaram a se gabar “do grande poder da oração”. Então, Tarcília processou a igreja, o pastor e toda a congregação, com o fundamento de que eles “foram os responsáveis pelo fim de seu prédio e de seu negócio, utilizando-se da intervenção divina, direta ou indireta”.

Na sua resposta à ação judicial, a igreja, veementemente, negou toda e qualquer responsa-bilidade ou qualquer ligação com o fim do edifício. O juiz a quem o processo foi submetido leu a reclamação da autora e a resposta dos réus, e, na audiência aberta, comentou:

“Eu não sei como vou decidir neste caso, mas uma coisa está presente nos autos. Temos aqui uma proprietária de cabaré que firmemente acredita no poder das orações, e uma igreja inteira declarando que as orações não valem nada!”

Fonte: http://www.gibanet.com/2013/05/01/a-fe-do-cabare-e-a-incredulidade-da-igreja/

“To be or not to be” (page two)

J.

Eu li com bastante atenção o seu e-mail e ponderei muito, não sobre qual seria a resposta a te dar, mas se eu saberia responder. Acabei chegando à conclusão de que não, eu não saberia te responder. Talvez seja porque eu nunca precisei dar conselhos a ninguém, talvez seja porque eu sou grosso mesmo, enfim… Motivo não falta. Portanto, fica por sua conta e risco continuar lendo a partir desse ponto.

Bom, a parte mais fácil você já fez sozinho, que é admitir que Deus é um personagem idiota de um livro idiota. A parte difícil seria, no caso, decidir se você deve deixar toda essa idiotice para trás e ir viver sua vida. Isso, claro, é só você que pode resolver. A questão toda aqui é o velho cabo de guerra de custo benefício. Como eu não posso fazer essa conta pra ti, ou seja, como não tenho condição de dizer se os custos de continuar compartilhando essa tolice valem os prazeres que você obtém com ela, vou apenas te passar um pouco da minha própria experiência. Às vezes ajuda saber como uma pessoa se deu bem, ou como ela se fudeu. Desculpe o palavrão, mas, ultimamente, sempre que eu falo sobre religião me tem baixado o espírito da Dercy Gonçalves.

Eu não tive exatamente o mesmo problema que você, porque meus pais são crentes de manada. O crente de manada, diferentemente do crente de programa, tá só seguindo o rebanho. Meio que por curiosidade, meio por estar sendo empurrado, meio porque não tem mesmo mais outro lugar pra ir. Entende?

Pois bem. Quando chegou a hora, eu não passei por esse estresse de falar pros meus pais a verdade: Deus é tão real quanto o Papai Noel. Por falar nisso, quando eu era criança, a gente nunca teve essa de cultuar o Natal, fazer jantar chique, com árvore iluminada, presentes e tudo o mais. Em parte porque a gente era uns fudidos, mas… Ups! Desculpe. De novo.

Mas, enfim. Eu não tive problema pra contar que achava que essa idiotice de Deus, Jesus, Inferno e pecado era exatamente isso: uma idiotice. Mas tive que avaliar, como você, as coisas boas que, eventualmente, eu perderia no processo. Eu coloquei no plural, mas era uma única “coisa boa”: garotas!

Se Deus serve para alguma coisa, eu posso te garantir que é pra fazer um rapaz solteiro encontrar garotas bonitas pra transar. E como mocinhas religiosas acham que Deus perdoa sempre, e perdoa tudo, elas costumavam ser as mais liberais, se é que você me entende…

Então eu estava nessa crise de achar que não teria mais acesso àquele monte de mulher, se começasse a dizer pra todo mundo que era ateu. Mas, felizmente, isso não se revelou um problema.

Eu morei dezessete anos longe da minha família, ora dividindo apartamento com colegas de trabalho, ora morando sozinho mesmo, numa capital do Nordeste que parece que tem uma porra de uma igreja em cada esquina. Menino! Você não faz ideia! Nessa época, eu mesmo me apelidei de vampiro, que era até meu nick nas salas de bate-papo do UOL. E por quê? Porque eu me sentia um predador. Quando estava com “fome”, vestia uma roupa de grife, botava uma Bíblia enorme debaixo do sovaco e entrava no culto mais promissor.

Entrava é modo de dizer, porque, na verdade, eu escolhia um daqueles cultos de subúrbio bem lotados, em que houvesse adolescentes do lado de fora. Acredite ou não, de cada dez tentativas, digamos, uma dava certo e eu acabava levando uma princesinha pro meu apartamento, pra fazer ela estourar a cota de pecados de uma vida em duas horas. Pode parecer muito dez investidas, mas eu vi no Discovery que os guepardos só se dão bem em vinte por cento das vezes, e olha que um guepardo corre pra caralho. Eu não: os cultos eram, como eu disse, quase um por esquina, e eu ia sempre caminhando.

Então, foi isso. Pra mim, me livrar dessa crença em seres invisíveis, ridículos e inúteis, como Deus e Papai Noel, nunca me trouxe problemas. Mas como sempre cada caso é um caso, você vai precisar pôr na balança se os benefícios compensarão os custos. Se não compensarem, no seu caso, aí você pode continuar vivendo sua vida confortavelmente ajustando a sua mentira pessoal a todas as mentiras inventadas, ensinadas e cultuadas pela religião.

Boa sorte, amado. 

guepardo

Hermenêutica & Exegese: A Maior das Trapaças

Por Shirley S. Rodrigues

Uma das coisas que mais aborrecem o crente cristão é ser confrontado com as práticas brutais e/ou insensatas constantes em muitas passagens do Antigo Testamento, principalmente.

Perguntados, por exemplo, se consideram certo que Deus tenha ordenado o apedrejamento de adúlteros (Levítico, 20:10); ou se é procedente a orientação de não tocar em mulheres no período menstrual (Levítico 15:19); ou se Deus estava sendo pelo menos justo ao instruir o profeta sobre a forma de se tratar os escravos (Êxodo 21:21), visto que a prática da escravidão deveria, por sua própria natureza, ser terminantemente proibida por Deus, o crente minimamente instruído irá se irritar e responder que para tais questões é necessário levar em conta a exegese e a hermenêutica. E o fará com aquela expressão que diz: pensa que sabe de tudo, é? Com isso entenderá que respondeu magistralmente a questão e esperará que o interlocutor sinta-se encurralado.

Interessante notar que não serão poucos os que se deixarão intimidar, ao menos momentaneamente, por esse argumento enganador. Por que é enganador? Porque Deus é perfeito. A perfeição divina é a pedra angular da fé. Ou é o que alegam as religiões cristãs.

Nem mesmo o argumento do amor divino tem o status do argumento da perfeição divina. Quando se propõe que um crente considere o amor divino como real, tendo em vista o sofrimento de seus ‘filhos’, ele, crente, não se incomoda com a contradição. Afinal, o amor de um pai, por incondicional que seja, está sujeito ao comportamento do filho, isto é, um pai não poderá proteger seu filho de tudo e de todos, não raro de si mesmo, todo o tempo. De modo que esse é um argumento que encontra eco na experiência do crente enquanto ser humano, podendo então ser racionalizado.

Já a perfeição divina, esta, por paradoxal que seja diante dos fatos constantes na existência humana, é argumentação definitiva; é definitiva, novamente de forma paradoxal, porque o ser humano está sempre agudamente cônscio de sua própria falibilidade. Necessita desse porto seguro, de contar com alguém que é perfeito e em algum tempo e lugar resolverá de forma ideal todas as questões inerentes à condição humana.

É amparada na concepção da perfeição divina que a religião cristã em suas variadas confissões se sente autorizada a cooptar fiéis, pois é portadora da palavra divina; é amparada nessa concepção que a religião se permite determinar comportamentos e condutas como certos ou errados, interferindo também no comportamento e conduta de quem não professa a religião; é também a proverbial cenoura na frente do burro.

Dessa forma, no momento em que alguém alega a necessidade de interpretação e contextualização dos textos bíblicos, está agindo de forma enganadora. Ou Deus é perfeito ou não é. A hermenêutica e a exegese podem ser aplicadas a tudo, menos a Deus e sua palavra, a Bíblia. Se ele é perfeito, não pode haver dúvidas sobre o que quis dizer; nem mesmo se poderia argumentar, in extremis, que o veículo usado para expressar essa palavra ou entendeu mal ou exorbitou.

Sendo Deus perfeito, numa questão fundamental como seria transmitir suas orientações aos seus ‘filhos’, ele não poderia permitir engano de espécie alguma. De maneira que, se era válido apedrejar adúlteros milênios atrás, tem que continuar sendo válido hoje. Se ofendia o todo-poderoso, há dois, três mil anos, que seus ‘filhos’ trabalhassem no dia a ele dedicado, continua a ser ofensivo hoje. Ou é assim, ou Deus não sabe o que faz, ou não tem certeza do que faz; se assim é, ele não é perfeito.

Qualquer pessoa disposta a realizar esse exercício de pensamento com um mínimo de honestidade chega a essa conclusão, tão simples. Qualquer pessoa disposta a passar por cima da coerência e da honestidade em nome da fé, usando o argumento da necessidade da interpretação e contextualização, é um trapaceiro intelectual e nem mesmo a fé justifica tal coisa.

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Eu, prolixo

É preciso ter fé”.

Essa frase é o carimbo que autentica, valida, chancela, endossa, incentiva, justifica e abençoa toda e qualquer loucura concebida por um cérebro humano.

Sim, você precisa mesmo ter fé; do contrário, a razão assumiria o comando e você se daria conta de quão prejudicial, ridícula, infundada, preconceituosa, maníaca, retrógrada, malévola, sanguinária, opressora e mesquinha é essa causa que você resolveu abraçar e chamar de religião.

É preciso fé para aceitar tudo o que é feito em nome de um Deus criado à nossa imagem e semelhança, e não conseguir enxergar nenhum objetivo ofuscantemente humano por trás de cada genocídio, execução, guerra, coerção, chantagem, suicídio, extermínio, mentira, tirania e tudo o mais com que a História humana está inundada desde quando começou a ser escrita.

Só mesmo tendo fé para acreditar que toda essa loucura vale a pena.


Fé. Essa palavra pequenininha é, na sua essência, pura desonestidade intelectual em ação, potencializada, compartilhada e aplicada a certos temas, sob certas circunstâncias e durante um certo tempo, com um determinado fim individual ou coletivo.

Exemplificando:

Um evangélico, digamos, recebe o diagnóstico de que tem um tumor no cérebro que irá matá-lo em poucos meses. As chances são de que ele use sua “fé” mais ou menos nos seguintes termos e na seguinte ordem:

O diagnóstico deve estar errado: Deus não permitiria que tal coisa ocorresse comigo.

Quando vários outros médicos confirmam o mesmo diagnóstico:

Uma operação para a extirpação do tumor vai resolver o problema. Deus vai ouvir meus pedidos de cura e vai interceder.

Quando a operação não ajuda em nada e só debilita a condição física geral:

A medicina não pode me curar, mas minha fé no meu Deus pode. Vou melhorar e me recuperar mesmo que os prognósticos sejam todos contra; não vou morrer por conta desse tumor e os médicos vão ficar boquiabertos com minha cura milagrosa. Deus vai me usar para mostrar seu poder ao mundo.

Quando isso não se confirma e o fim se aproxima:

Não há por que me rebelar contra a vontade de Deus. Se minha hora chegou, eu vou partir e vou morar no Paraíso ao lado desse Deus que me ama. Se vou morrer tão jovem, de uma forma tão sofrida e lenta, é apenas porque assim Deus quer, e mesmo que eu não entenda o motivo, “existe um motivo”.

É inegável que, entre um estágio e outro, a fé em que algo de bom vá (ou possa) acontecer para mudar uma situação assim tão nefasta seja, de fato, de grande conforto para o crente em questão, bem como é inegável que umas doses a mais de qualquer bebida alcoólica nos deixe bem alegres, desinibidos, autoconfiantes, esperançosos, etc., mesmo sem nenhum motivo aparente para tais sentimentos, ou, o que é mais comum, mesmo com motivos para estarmos tristes, tímidos, com baixa autoestima, etc.

Mas ter fé é uma condição de desonestidade intelectual que não pode ser atingida por qualquer um. É preciso uma doutrinação eficaz, suficientemente longa, que permita que essa desonestidade seja subconsciente, inacessível à razão e protegida dela pela vontade consciente de não afrontá-la.

Não se pode negar que a fé pode ser útil em muitos casos, assim como, pra mim, dois copos de caipiroska podem ser úteis se eu não encontro coragem para abordar uma fadinha loira que sentou bem do meu lado num bar. Mas o Barros desinibido, articulado, galanteador, divertido, autoconfiante que ela vai conhecer não é o mesmo Barros que eu conheço. Eu estou, no fim das contas, vendendo gato por lebre. Estou sendo desonesto com uma outra pessoa.

Ter fé em Deus é ser desonesto consigo mesmo.


Eis o mistério da Fé

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Estudo revela ingrediente secreto na religião que torna as pessoas mais felizes

Por Josh Rhoten

Link para o texto original

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Um artigo publicado no começo do mês, na American Sociological Review, confirma aquilo que muitos na comunidade religiosa já sabiam faz tempo: a participação em organizações religiosas pode levar a uma vida mais realizada.

Os cristãos ativos (aqueles que vão regularmente à igreja) reportam que estão mais satisfeitos com suas vidas do que aqueles que não vão à igreja com tanta frequência.

Este senso de satisfação vem mais das interações que os frequentadores de igreja compartilham, do que das atividades e discussões teológicas que ocorrem nas igrejas de fato, diz o estudo.

O artigo, intitulado Religião, Rede Social e Vida Realizada, usou dados de uma pesquisa com americanos adultos, feita em 2006 e 2007, como parte do Estudo ‘A Fé Conta’. Essa pesquisa traçou a relação entre religião e capital social nos Estados Unidos.

“Nosso estudo oferece evidências convincentes de que são os aspectos sociais da religião, em vez de teologia ou espiritualidade, que levam a uma vida realizada”, diz Chaeyoon Lim, que conduziu os estudos e é professor assistente de sociologia na Universidade de Wisconsin-Madison.

“Em particular, descobrimos que amizades feitas em congregações religiosas são o ingrediente secreto da religião que torna as pessoas mais felizes.”

De acordo com o estudo, 33% das pessoas que iam semanalmente à igreja, e que tinham de três a cinco amigos íntimos naquela congregação, reportaram que estavam “extremamente satisfeitos” com suas vidas.

Em comparação, somente 19% das pessoas que iam semanalmente à igreja, mas que não tinham amigos íntimos na congregação, disseram que estavam “extremamente satisfeitos”. Este número foi o mesmo para os que não frequentavam igrejas, com apenas 19% desse grupo dizendo que estavam “extremamente satisfeitos”.

Embora o estudo tenha focado na fé cristã, Lim também notou que havia um padrão semelhante entre outros grupos religiosos, apesar das amostras terem sido de tamanho bem mais reduzido.

“Eu diria que a maior razão das pessoas frequentarem igrejas não é por seu pastor, mas por causa das relações que elas têm lá”, disse o Reverendo Max Janzen, pastor sênior da Igreja Batista Lado Ensolarado, em Cheyenne. “Por causa disso, eu concordaria totalmente com esse estudo, baseado na experiência que tenho na minha igreja”.

Lim disse, “Para mim, a evidência fundamenta que não é mesmo o fato de ir a uma igreja e ouvir sermões, ou rezar, que torna as pessoas mais felizes, mas fazer amigos através da igreja, e construir lá uma rede social íntima”.

Lim observou que o estudo não está dizendo que as pessoas que não frequentam igrejas não podem levar uma vida satisfatória. Mas que os que frequentam igrejas e têm um mesmo sistema de crenças e conexões sociais podem ser mais felizes devido a essas conexões.

O pastor Billy Minder, da Igreja Batista Ribeirão do Prado, em Cheyenne, disse que os dados [do estudo] condizem com sua experiência em sua igreja:

“Eu encontrei alguma informação, um tempo atrás, quando uma socióloga falou sobre os três lugares em que as pessoas se conectam umas com as outras, e ganham um senso de identidade e realização. Os dois primeiros são o lar e o trabalho, e eu sempre pensei no terceiro como sendo a igreja, onde você pode se ligar a pessoas com a mente parecida com a sua, e ter uma sensação de pertencer àquele lugar.”

Eu, prolixo

É preciso ter fé”.

 

Essa frase é o carimbo que autentica, valida, chancela, endossa, incentiva, justifica e abençoa toda e qualquer loucura concebida por um cérebro humano.

Sim, você precisa mesmo ter fé; do contrário, a razão assumiria o comando e você se daria conta de quão prejudicial, ridícula, infundada, preconceituosa, maníaca, retrógrada, malévola, sanguinária, opressora e mesquinha é essa causa que você resolveu abraçar e chamar de religião.

É preciso fé para aceitar tudo o que é feito em nome de um Deus criado à nossa imagem e semelhança, e não conseguir enxergar nenhum objetivo ofuscantemente humano por trás de cada genocídio, execução, guerra, coerção, chantagem, suicídio, extermínio, mentira, tirania e tudo o mais com que a História humana está inundada desde quando começou a ser escrita.

Só mesmo tendo fé para acreditar que toda essa loucura vale a pena.


Por que não acreditar [edição completa]

 

Preciso contar uma coisa: eu tenho US$ 980.620,00 guardados dentro de uma mala embaixo da minha cama. Sim, você leu direito: quase um milhão de dólares americanos. Em notas usadas de 50 e de 20.

Você  pode não acreditar em mim, mas isso poderia ser facilmente resolvido se eu levasse você até a minha casa para que você mesmo visse a mala e contasse o dinheiro. Mas mesmo que eu não faça isso, você não poderá simplesmente concluir que essa mala de dinheiro não existe. O fato de eu, especificamente ― claro, se fosse o Sílvio Santos que alegasse tal coisa, você não teria por que duvidar ― , ter esse dinheiro todo no meu quarto não pode ser visto como “impossível”, afinal, eu poderia tê-lo obtido de um jeito ou de outro. Mas como isso não vai alterar absolutamente em nada o curso da sua vida, acreditar, ou não, na minha pequena fortuna torna-se totalmente inútil para você, e o seu cérebro simplesmente deixa de pensar no assunto. A minha mala, exista ou não, não lhe interessa.

Mas imagine agora que eu (que moro há anos longe da minha família e, muito raramente, meus parentes menos próximos têm qualquer notícia a meu respeito) mandasse uma carta para alguns deles começando exatamente como acima e, adicionalmente, divulgasse a informação de que eu havia me convertido ao budismo e, antes de me mandar, definitivamente, para o Tibet, no fim do ano, iria querer fazer uma doação de todos os meus bens, distribuindo-os entre os parentes menos afortunados. A grana da mala inclusa.

A história agora é bem outra. A existência da mala pode, sim, interferir na vida de alguém. Numa situação dessas, não é difícil de se imaginar que alguns dos meus parentes iriam considerar bastante o caso, ponderar as possibilidades e, após algumas conversas em família, reflexões, e duas ou três noites de insônia, iriam acabar admitindo um certo nível de “crença” na mala de dinheiro do Barros. Claro, sempre haveria aqueles que iriam duvidar que eu possuísse esse quase milhão de dólares, mas mesmo estes “descrentes”, estariam sempre reavaliando as possibilidades para manter ou reforçar a sua própria descrença. Só que eles, do mesmo modo que os meus “crentes”, não teriam como saber se a mala realmente existe ou não, o que faz dessa descrença ― acreditar que ela “não existe” ― também uma forma de fé, idêntica à dos crédulos, só que com o sinal invertido.

Com o passar dos meses, eu poderia continuar mandando mais cartas para a minha parentada explicando como consegui acumular aquela estupenda quantia, confirmando a minha conversão ao budismo, ratificando a minha decisão de doar todos os meus bens, etc., e até estipulando algumas regras para a divisão dos dólares, que, se não fossem seguidas à risca, impossibilitaria o pecador, digo, o faltoso, de receber a sua recompensa monetária. As cartas seriam tantas e reforçariam de tal modo a ideia inicial do milhão de dólares, que eles as encadernariam luxuosamente e passariam a venerar, mui respeitosamente, o volume assim obtido como se fosse um livro sagrado, onde constaria tudo sobre a origem do dinheiro, sobre a minha motivação para me desfazer dos meus bens, e o passo a passo que garantiria a salvação (ups!), uma parte do montante, melhor dizendo.

Mas ora, assim como a própria mala, ninguém teria como saber se essas declarações seriam verdadeiras ou não: eu poderia estar, descaradamente, mentindo. Seria necessário, então, para acreditar nessa Bíblia em que se transformaram as minhas cartas, o mesmo tipo de fé que eles já haviam dispensado, inicialmente, à ideia do dinheiro em si. Sem se dar conta de que não tiveram nenhum decréscimo nas suas dúvidas sobre a existência da mala, eles passam a depender ainda de mais fé para continuar acreditando nela.


 

E as coisas poderiam continuar assim, talvez não indefinidamente, mas por um certo tempo, até bem além da data inicialmente prometida para a partilha. Bastaria dizer que resolvi adiar a viagem para o Tibet, ou anunciar a minha intenção de só fazer a distribuição do dinheiro quando atingisse US$ 1.000.000,00 “fechado”.

Essa mudança de planos, com certeza, iria reforçar o ânimo dos “descrentes”, pois lhes daria, de bandeja, um argumento mais contundente contra a existência da mala. Mas, então, por esse tempo, muitos dos que acreditaram, desde o início, na história toda, já estariam tão ligados a ela, já estariam tão esperançosos para receberem o seu quinhão, já tendo até mesmo cometido alguns pequenos excessos de consumo antecipado e contraído algumas dívidas, enfim, já seriam tão fervorosamente devotos da mala, que o pensamento de tudo ser um embuste, uma pegadinha de um parente distante, seria convenientemente descartado.

Quanto mais debilitado financeiramente meu parente estivesse, maior seria o seu desejo de que a tal mala realmente existisse, e esse desejo se tornaria tão grande que ele não iria querer abandonar essa possibilidade. A simples alusão, feita por um parente menos convencido, de que a mala do Barros fosse uma invenção absurda já seria motivo suficiente para um bom bate-boca.

Para os crentes na mala, a dificuldade financeira faria crescer um desejo muito forte de que ela fosse mesmo real. E quanto mais o tempo passasse, mais esse desejo seria cultivado, mais seria regado com sonhos de uma vida um pouco melhor, e, consequentemente, mais difícil seria a ideia de ter que se desfazer dessa perspectiva.

Quando se trata de Deus, não é diferente. Acreditar que existe um Deus todo-poderoso, que ouve suas preces, que o protege de perigos, e que criou um paraíso pra onde ele irá depois que morrer ― isso como uma espécie de bônus, pois só o fato de haver “algum lugar para onde ir depois de morrer” já seria suficiente ― traz grandes benefícios para o crente: sociais, psicológicos, físicos e, muitas vezes, financeiros (se bem que este é mais frequente entre os pastores do que entre as ovelhas). Acreditar nisso lhe faz tanto bem, é tão reconfortante e lhe traz tantas vantagens que ele veria como um grande prejuízo o fato de ”deixar de acreditar”, a tal ponto de:

1. dar prioridade, no nível social, aos relacionamentos e ao convívio com pessoas que compartilhem sua fé;

2. consumir produtos especialmente “desenhados” para ele: músicas religiosas, livros religiosos, filmes religiosos, programas de tv, etc.;

3. aceitar tão somente as informações que venham reforçar sua crença;

4. rejeitar consciente e inconscientemente qualquer coisa que venha de encontro às suas convicções religiosas;

5. permitir que outras pessoas que ele humildemente julga mais fortemente “conectadas” com Deus decidam por ele como ele deve viver a sua própria vida; e

6. aceitar, sem contestação, coisas que não entende, mas pelas quais seria capaz de morrer. [Ou matar.]

O crente, portanto, está imerso num processo autoalimentador da fé, engenhosamente montado e mantido para protegê-lo das investidas da razão.

Entretanto, como no caso da mala de dinheiro, o outro lado da moeda seria o “descrente”, aquele que “acredita” que Deus não existe. E era justamente aqui aonde eu queria chegar: essa qualidade não pode ser atribuída aos ateus. Nós não temos fé com sinal invertido. Nós não cogitamos a possibilidade de Deus ser real, assim como ninguém cogitaria a possibilidade de ser real eu guardar embaixo da minha cama um sextilhão de dólares. Um milhão você até poderia ter dúvidas; mas um sextilhão…

Não é questão de acreditar ou não: é apenas uma ideia absurdamente implausível demais que não merece sequer a dúvida educada das possibilidades.

Ser ateu é compreender que não existe um sextilhão de dólares.

O preço que pagamos por isso é o de termos que encarar a vida sem os benefícios sociais e bálsamos que a fé e o seu compartilhamento proporcionam. A vantagem é a de estarmos vivendo no mundo real, acordados, com a certeza de que esta é a única vida que teremos; o que a torna, por isso mesmo, ainda mais valiosa.



O papa crê no papa-móvel

O texto abaixo me chegou por e-mail, e segue aí tal e qual eu recebi:

Você conhece a lenda do rito de passagem da juventude dos índios Cherokees?

O pai leva o filho para a floresta durante o final da tarde, venda-lhe os olhos e deixa-o sozinho.

O filho se senta sozinho no topo de uma montanha durante toda a noite e não pode remover a venda até os raios do sol brilharem no dia seguinte.

Ele não pode gritar por socorro para ninguém.

Se ele passar a noite toda lá, será considerado um homem.

Ele não pode contar a experiência aos outros meninos porque cada um deve tornar-se homem do seu próprio modo, enfrentando o medo do desconhecido.

O menino está  naturalmente amedrontado..

Ele pode ouvir toda espécie de barulho..

Os animais selvagens podem, naturalmente, estar ao redor dele..

Talvez alguns humanos possam feri-lo.

Os insetos e cobras podem vir picá-lo.

Ele pode estar com frio, fome e sede.

O vento sopra a grama e a terra sacode os tocos, mas ele não remove a venda .

Segundo os Cherokees, este é o único modo dele se tornar um homem.

Finalmente…..

Após a noite horrível, o sol aparece e a venda é removida..

Ele então descobre seu pai sentado na montanha perto dele.

Ele estava a noite inteira protegendo seu filho do perigo.

Nós também nunca estamos sozinhos!

Mesmo quando não percebemos, Deus está olhando para nós, ‘sentado ao nosso lado’.

Quando os problemas vêm, tudo que temos a fazer é confiar que ELE está nos protegendo.

Moral da história:

Apenas porque você  não vê Deus, não significa que Ele não esteja conosco.

Nós precisamos caminhar pela nossa fé, não com a nossa visão material.”

 

No fim do e-mail, tem uma solicitação para que você repasse o texto aos seus contatos.

E as pessoas repassam. Elas endossam e divulgam algo totalmente fora da realidade: Deus não protege seus filhos como deveríamos supor que certamente faria o índio-pai do conto Cherokee.

Aquele papo de que “mil cairão ao teu lado, dez mil à tua direita” é conversa pega-trouxa, como tudo o mais na Bíblia. Mesmo que sua fé seja um bilhão de vezes maior do que um grão de mostarda, ainda assim você estará sujeito às mesmas desgraças e tão desprotegido quanto eu ou qualquer outro crente em qualquer outro deus.

Mas se a comparação feita entre o pai do indiozinho Cherokee e Deus é falha, por que as pessoas concordam com ela? Simples: o crente é doutrinado desde a infância a aceitar coisas absurdas com a justificativa da fé, e com a ameaça de que, se não aceitar esses absurdos, estará condenado ao Inferno. Por conta disso, a mente deles fica anestesiada a certo tipo de raciocínio que uma mente livre não tem dificuldade em elaborar.

Fé é exatamente isso: aceitar o inaceitável; admitir o inadmissível; ver o invisível; desculpar o indesculpável; agarrar-se ao improvável; confiar no impossível.

— Por que o papa precisa de um papa-móvel? Deus não protege ele?

— Claro que protege. E, no momento, Deus tá protegendo ele com aqueles vidros à prova de balas…

Deixar o cérebro perceber o mundo sem fé iria levá-los à conclusão inevitável de que Deus não existe.


Uma fé inofensiva.

Autor Texto: Bruno Iori

Fé. Apenas um monossílabo tônico na gramática. Simples e desimportante.

Mas no mundo real, esta palavra torna-se uma das mais poderosas ferramentas de manipulação e destruição em massa da história. Muito mais eficiente que a televisão. Muito mais destrutiva que uma arma nuclear. Assim é, a amada fé.

Como pode a crença, causar tanto mal? E, ao mesmo tempo, propagar a idéia de que faz tão bem? O que uma fé sincera e moderada tem de tão mau?

Por definição, fé é uma crença não-baseada em fatos que sustenta-se pela sugestão de terceiros (ou própria) acerca de sua veracidade. Sempre foi ensinado a qualquer cristão: “Se sua fé vacilar, peça a deus por ajuda para fortalecê-la.” Que bela antítese! É o mesmo que dizer: “Lobo, toma conta das ovelhas que eu já volto, tá?”. Este beco sem saída da lógica é apenas um dos muitos métodos utilizados para a doutrinação inconseqüente, covarde, desonesta de pessoas inocentes, que não têm escolha diante dessa poderosa arma psicológica. Acreditar não oferece escolhas. Pensar, sim.

Pense em uma criança de 5 anos que ouve freqüentemente estórias de fadas, saci-pererê, papai-noel, bicho-papão, ao mesmo tempo que ouve sobre deus, jesus, alá e etc. Depois que esta criança cresce, na maioria das vezes, deixa de acreditar nas primeiras porque entende que não faz sentido e que são lendas criadas pelas pessoas para seus filhos. Mas, curiosamente, muitas não concluem o mesmo em relação às estórias sobre deus. Por quê?

Por dois motivos: O primeiro é a ilusão coletiva que é mantida pela esmagadora maioria das pessoas à sua volta. Geralmente quando ela começa a perceber que tudo isso não faz sentido nenhum, ela se sente desamparada e confusa. Neste momento difícil ela é acolhida lentamente pelo sentimento reconfortante de que não estará sozinha se acreditar. As pessoas lhe falam: “Pode não fazer sentido, mas não se preocupe em pensar. Apenas tenha fé. Deus é justo e saberá recompensá-lo.” Esta mentalidade metade passiva de aceitação e metade ativa de ameaça faz com que ela perca a capacidade de duvidar desta e de outras idéias incrivelmente rápido.

Mas então, por que isso não acontece com as outras lendas também, você deve estar se perguntando. Por que não esquecem de deus? Por que não o encaram como deve ser, ou seja, um conto de fadas? Isso nos leva ao próximo motivo.

O segundo motivo pelo qual essas pessoas não esquecem de deus, é que assim como a campanha pró-deus é muito forte, a campanha pró-diabo, também. Isso mesmo: Pró-diabo. Afinal, toda ditadura (leia religião) que se preze tem que ter um eficiente mecanismo de opressão e controle. E, neste caso, é o medo do sofrimento eterno. Um medo que acompanha a criança durante todo o tempo e não só no escuro como o bicho-papão. Um medo que pode até tomar o controle da vida dela, fazendo-a temer seus próprios instintos o tempo todo, fazendo-a acreditar que só merece sofrimento e que deve arrepender-se por ser uma pecadora suja. É essa a força destrutiva que é exercida por este “mecanismo” na mente infantil. E este tipo de violência é tão abominável quanto os outros.

Uma criança tem o direito de pensar livremente e de ser protegida de medos prejudiciais à sua saúde mental. Uma criança tem o direito de não ter fé.

O fato é: Mesmo a mais pura e honesta fé semeia o fanatismo. A idéia de que ter uma fé inabalável é uma virtude, faz com que horrores possam ser justificados. Acho que cabe aqui uma frase dita pelo deísta Voltaire: “Aquele que faz você acreditar em absurdos, faz com que cometa atrocidades”

Se você acha que tudo isso que estou dizendo é puro preconceito ou agressão gratuita, lembre-se dos terroristas islâmicos que seqüestraram e jogaram dois aviões de passageiros contra as torres gêmeas do WTC em Nova Iorque no dia 11 de setembro de 2001, matando 3.234 pessoas. Eles eram maus? Eles eram loucos? Eles eram burros? Não.

É inconcebível colocá-los nessas posições. Eles eram cidadãos religiosos, lúcidos e com formação universitária. Como muitos religiosos “moderados” do cristianismo. Mas foram criminosamente manipulados por sacerdotes sem escrúpulos (como os que existem nas nossas igrejas) e acreditavam de verdade no que estavam fazendo. Acreditavam que aquilo era o certo a se fazer. Que era a vontade do deus deles. Apenas isso. Eles tinham esse tipo de fé. Uma fé que foi orientada para resistir aos mais sérios dilemas morais. Uma fé que está acima de tudo e de todos. Sincera e inquestionável.

Se alguém possui uma fé que não se abala nem um pouco com os mais convincentes questionamentos; estremece e se desespera só de pensar em perdê-la; que a faz assumir e proteger uma posição a qualquer custo; e procura por argumentos que a sustentem e às vezes precisa inventá-los, então, tenha cuidado. Se essa pessoa for manipulada por alguém experiente e mal intencionado, nada a impedirá de provar a deus sua fé, essa gigantesca fé, de uma maneira mais ativa ou agressiva. Por exemplo, com um atentado a uma clínica de aborto. Ou a uma parada gay. Ou até de formas menos drásticas, mas igualmente letais: Não usando camisinha, não doando nem recebendo sangue, não permitindo pesquisas com células-tronco, não permitindo a eutanásia e etc.

O que resta a compreender é que estas atitudes perigosas são derivadas de dogmas impostos pela religião, não através da força bruta e fanatismo, mas pelo cultivo gradual e inexorável da inofensiva fé.

Quando os deuses se cansam – parte 1

As pessoas acreditam em Deus porque querem achar que há um plano, um propósito para as suas vidas, traçado por um ser divino que as protege de possíveis perigos, que as direciona, incentiva e inspira, de forma que possam cumprir o tal plano. As pessoas acreditam em Deus pelo conforto que lhes proporciona a ideia de que ele atende seus pedidos de ajuda para problemas, e de socorro para ameaças (agendadas ou iminentes, reais ou imaginárias); e, principalmente, acho eu, porque não querem admitir que, após a morte (em termos de “consciência), voltarão para o mesmo lugar de onde vieram: o nada.

A ideia de Deus, ou de um determinado deus, atende a esses anseios “divinamente” bem na cabeça das pessoas; por isso, sendo esses motivos para crer presumivelmente compartilhados por todo ser humano, essa ideia sempre esteve vinculada a toda e qualquer sociedade que existe, ou que já existiu, em todos os lugares da Terra. Muitos teístas chamam a isso de evidência, como se o fato de todas as sociedades acreditarem em deuses, fosse prova mais que suficiente de que haja, realmente, um deus.

Mas demos à questão a reflexão que merece:

Se isso, realmente, for tido como uma “prova”, há de se querer saber: “Qual deus existe?” E aí, cada sociedade vai responder: “O meu”. Há quem se saia dessa dizendo que Deus é um só, com seus vários nomes e formas para cada diferente sociedade. Será? Não pareceria, então, infundado todo o ciúme de outros deuses que o Deus cristão sempre deixou claro na Bíblia? E se houvesse mesmo tantos deuses quanto as sociedades querem crer, seria possível ir para o Inferno de um e para o Céu de outro ao mesmo tempo?

Vê-se, assim, que essa “evidência” não é prova de que Deus existe. No máximo, consegue provar que existe uma necessidade humana de acreditar em um.


Parte 2Parte 3Parte 4Parte 5Parte final


O Deus da Bíblia

Um leitor meu, muito inteligente e devoto, ficou divinamente enfurecido quando eu afirmei, em resposta a um comentário dele, que “tudo o que ele sabia sobre Deus vinha da Bíblia”. Ele, a princípio, suspeitou que eu me achava detentor de poderes sobrenaturais (Ha-ha-ha!), pois como eu poderia alegar saber tal coisa?

Pedi, então, que ele me dissesse uma única coisa que soubesse sobre Deus nas seguintes condições:

1. que não viesse da Bíblia;

2. que não viesse de sua doutrinação religiosa, imposta por pessoas já doutrinadas, que acreditavam na Bíblia;

3. que não viesse de qualquer outra fonte que se enquadrasse nas condições acima.

Meu leitor se saiu com esta:

“Diz-me alguma coisa sobre o passado dos teus pais que:

1. não te tenha sido dito por alguém;

2. ou que tu tenhas lido em algum lugar.

Respondendo à tua pergunta: a esmagadora maioria das coisas que eu sei de Deus enquadra-se nas opções que puseste em cima. Será que isso as torna falsas?”

Eu acho que o trecho “a esmagadora maioria” poderia muito bem ter sido substituído por “tudo”, afinal, eu pedi só uma coisa. Logo, ele poderia ter escolhido uma que estivesse fora da “esmagadora maioria”. Mas não procedeu assim, nem admitiu que eu estava certo, porque religiosos não aceitam perder um debate. Nem uma guerra. De que serviria ter um Deus que não lhes dá vitórias?

“Será que isso as torna falsas?” Não; não obrigatoriamente. Mas não era esse o ponto. A questão era que eu disse algo que havia sido refutado e que, depois, foi confirmado. Pela mesma pessoa! Será que eu tenho mesmo poderes sobrenaturais? Ha-ha-ha de novo!

“A esmagadora maioria das coisas” que eu sei sobre o passado dos meus pais eu soube por eles próprios. Que se conheceram durante um velório, por exemplo. Não vejo razão nenhuma para duvidar de que isso seja verdade, mas, se alguém me dissesse que eles haviam se conhecido numa “quermesse”, eu poderia querer saber como esse alguém sabia disso, que provas tinha e tal. Se fosse apenas palavra por palavra, eu ficaria com a versão dos meus pais. Eu teria Fé no depoimento deles. Acreditaria que a versão do velório seria a verdadeira.

Entretanto, eu não precisaria viver toda a minha vida em função disso, porque, em termos práticos, que diferença faz? Graças ao defunto, ou ao padre que organizou a quermesse, as coisas aconteceram e eu nasci.

O que se poderia contra-argumentar é que “existe” uma versão verdadeira. A Verdade não me interessaria? Nesse caso, especificamente, não, mas, de novo, não é esse o ponto. A questão é que, sobre o Deus que está dentro da Bíblia, as pessoas que acreditam nessa versão querem porque querem que todos acreditem nela também. A versão deles é, presumidamente — embora sem nenhum fundamento — , “A” verdadeira.

Há pessoas que têm outra versão e há quem não precise de versão nenhuma. Mas, curiosamente, esses nunca queimaram ninguém vivo, nunca fizeram Inquisições, nunca ameaçaram criancinhas com torturas eternas, nunca fizeram guerras não santas, nunca fizeram Cruzadas, nunca explodiram carros-bomba, nunca exterminaram ninguém.

Você só deve esperar esse tipo de coisa dos que creem em Deus. Porque ele, assim como o Alá do Corão, manda que os incrédulos sejam eliminados. E os que creem acham isso por demais conveniente, afinal, seria uma maneira de não precisar confrontar essas opiniões incômodas de que tudo aquilo em que eles acreditam é pura invenção. 

Como diz Alá: quando a “Palavra” não surtir efeito, use a espada!


Aleluia, Sócrates!!!

 

Haverá uma parte de mim que irá sobreviver a minha morte? Como o universo teve início? Houve um início? Como surgiu a vida? E a nossa inteligência? Somos os únicos seres capazes de fazer tais perguntas? 

Eu não sei. E também não sei se é algum tipo de consolo egoísta saber que ninguém sabe. Porque ninguém sabe. 

Ninguém. 

As únicas coisas que temos e que mais se aproximam do que poderíamos, presunçosamente, chamar de respostas advêm de três fontes: a científica, a filosófica e a religiosa. 

A científica se vale de um modelo racional e eficiente desenvolvido ao longo dos séculos, que se fundamenta em um processo que envolve a formulação de hipóteses e a busca de evidências que as sustente — ou descarte. É um processo laborioso e lento, mas com resultados confirmados. 

A filosófica se vale, também, do raciocínio, mas em um nível de aplicação diferente do utilizado pela Ciência, que eu já vi muitas vezes, na literatura inglesa, ser chamado de “raciocínio de poltrona”, se referindo ao fato de que tudo o que o filósofo usa para chegar às conclusões que chega é o seu pensamento. 

A religiosa se vale da fé. 

Tendo assim começado, eu quero dizer que vou mudar minha abordagem em relação aos religiosos. Vou escrever, em breve, uma série de textos — intitulada “Deus, Alice e a Matrix” — que irão explicar por que não vou mais perder tempo e energia tentando convencer alguém da insanidade que é passar toda uma vida em função (e na expectativa) de uma próxima. Quem acredita nesse tipo de embromação é imune a argumentos. E tudo o que eles têm para contra-argumentar, também é, por definição, imune: eles “sabem” como tudo teve início; eles “sabem” que há uma outra vida; eles “sabem” que há um Deus; eles “sabem” que há um Paraíso; eles “sabem” que há um Inferno; eles “sabem” de tudo. Com detalhes. 

Não perderei mais meu preciso tempo elaborando nenhum raciocínio intrincado na esperança absurda de convencer pessoas religiosas do que quer que seja. Só quero dizer uma última coisa diretamente a elas: 

“Não, vocês não sabem! E vocês sabem que vocês não sabem. E vocês sabem que eu sei que vocês sabem que vocês não sabem. Vocês são tão ignorantes quanto eu acerca de todas aquelas perguntas. O que vocês têm é uma vontade enorme de que tudo aquilo em que foram criados acreditando seja realmente verdade. Mas isso não muda nada. Fé, por si, não é capaz de alterar a órbita de um único elétron.” 

Uma parte do cérebro deles aceitaria isso se funcionasse do modo como se desenvolveu para funcionar, mas, maldade das maldades, abuso dos abusos, desde a mais tenra infância, eles foram treinados para ignorá-la. E, assim, ao longo de suas vidas, sempre que são confrontados com a mais comum de todas as perguntas ― por quê? ―, eles são incapazes de, corajosa e honestamente, dar a mais comum de todas as respostas: eu não sei. 

Eu vou passar minha vida inteira ciente de que não sei e que vou morrer sem saber responder uma infinidade de perguntas. Mas admitir a própria ignorância e aceitar não saber a resposta pode ser infinitamente mais reconfortante do que a ilusória paz de espírito daqueles que resolveram inventar uma. 

 

Por favor, mostrem isso ao Papa!!!

Sugestão da leitora Larissa, um vídeo imperdível do YouTube. Clique na tela e assista. 

 

video-youtube

A arrogância cega da fé

Se você clicar Aqui vai assistir a um vídeo no YouTube em que o zoólogo e escritor Richard Dawkins dá uma resposta desconcertante para uma jovem de uma universidade para moças na Virgínia, US, na seção de perguntas logo após uma palestra para a qual ele fora convidado para fazer a divulgação do seu mais novo livro: Deus, Um Delírio.

Com relação à descrença em Deus por parte do palestrante, a jovem fez a seguinte pergunta: “E se você estiver errado?”.

A RESPOSTA:

— Bem, o que define ‘errado’?… ou seja, qualquer um pode estar errado. Nós todos podemos estar errados sobre o Monstro de Espagetti Voador (1), sobre o Unicórnio cor-de-rosa, ou sobre o Bule de Porcelana Cósmico (2). Você, por acaso, foi criada, eu presumo, dentro da fé cristã. Você sabe o que significa não acreditar em uma determinada fé porque você não é muçulmana, não é uma hindu. Por que você não é hindu? Porque aconteceu de você ter crescido nos Estados Unidos, não na Índia. Se você tivesse sido criada na Índia, seria uma hindu. Se você tivesse sido criada na Dinamarca, no tempo dos Vikings, você acreditaria no Terrível Martelo de Thor. Se você tivesse crescido na Grécia Clássica, acreditaria em Zeus. Se você tivesse sido criada na África Central, acreditaria no Grande Ju-Ju da Montanha. Não há nenhuma razão particular para se escolher o Deus judaico-cristão no qual, por puro acaso, você foi criada acreditando. E você me faz a pergunta ‘e se eu estiver errado?’. E se VOCÊ estiver errada acerca do Grande Ju-Ju do fundo do mar?”

A questão é que, via de regra, o crente, seja de que religião for, quer impor a sua divindade a todo o resto do mundo como sendo a única verdadeira. Ou, no mínimo, está totalmente convencido disso. Daí, das duas uma: ou todas as divindades são verdadeiras, ou nenhuma é.

Toda fé é apenas fruto da ignorância. Não no sentido pejorativo do termo, mas no sentido de que quanto mais se pensa, quanto mais se raciocina, menos fé se tem. Por isso a fé se sustenta nos dogmas (=aceite e não pense a respeito), sempre foi inimiga da razão (“A Razão é a meretriz do Diabo” – Martinho Lutero), e sempre tentou, à custa de muitas vidas, se manter acima da ciência na preferência do povo. “A Igreja entende que a Terra é plana”: problema dela. Mas, ops!, quem divulgar o contrário será barbaramente torturado e queimado vivo! Problema nosso. Muitos séculos, e muita barbárie depois, a Igreja reconhece o erro. “Agora a Igreja entende que a Terra é redonda, mas continua sendo o centro do universo”: problema dela. Mas, ops!, quem divulgar o contrário será barbaramente torturado e queimado vivo! Problema nosso. Muitos séculos, e muitas vidas depois, a Igreja reconhece o erro. “Agora a Igreja entende que a Terra é redonda e não é o centro do universo, mas considera pecado usar embriões humanos para pesquisa, e camisinha nas relações sexuais” porque “atenta contra a vida”. Infelizmente, para muitos religiosos, a Igreja não pode mais usar os seus instrumentos de tortura e suas fogueiras para difundir e “solidificar a fé”, mas a pergunta é: mais quanto tempo vai passar e mais quantas vidas vão ter que se perder até que ela admita novamente que errou?

Por causa dessa arrogância, milhões de pessoas foram mortas e torturadas e ainda estão sendo mortas e torturadas, de um jeito ou de outro. Milhões de mulheres foram queimadas vivas apenas porque sabiam curar algum mal-estar usando plantas medicinais e chás… ou, simplesmente, porque “aparentavam” ter um conhecimento, inteligência ou comportamento superior ao dos homens, ou diferente do que os homens achavam conveniente ser esperado numa mulher ou de uma mulher.

Não espero que você consiga imaginar o que significa milhões de pessoas sofrendo no ato da sua execução por discordarem do que seus executores acreditam.

Mas acho que você poderia se esforçar um pouco para imaginar a raiva desesperadora que sentiria se fosse VOCÊ quem estivesse amarrado ao tronco na hora em que a palha fosse acesa, condenado a queimar lentamente até a morte por acreditar em algo que seus executores não acreditam… por exemplo, que a Terra é redonda…

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(1) Uma lenda amplamente difundida na Internet: The Flying Spaghetti Monster

(2) “The orbiting china* teapot” mencionado em Deus, um Delírio: uma proposição do filósofo Bertand Russell de que haveria um bule em órbita entre a Terra e Marte, e que, pelo fato de não ser possível provar que ele não existe, não se poderia concluir que ele realmente exista.

*porcelana

deus Não É GRANDE

Alguns trechos de Deus Não É Grande de Christopher Hitchens. Clique na imagem do livro para ler o primeiro capítulo. 

“Ela [a fé religiosa] nunca morrerá, ou pelo menos não enquanto não superarmos nosso medo da morte, do escuro, do desconhecido e dos outros.” p.23

“Freud destaca o ponto óbvio de que a religião sofria de uma deficiência incurável: era excessivamente fruto de nosso próprio desejo de fugir da morte ou de sobreviver a ela.” p. 100

“A pessoa que tem certeza, e que alega mandato divino para sua certeza, pertence à infância de nossa espécie.” p. 21

“O Velhor Testamento (…) apresenta a mulher como sendo clonada do homem para seu uso e conforto.” p. 59

“O livro sagrado em uso há mais tempo – a Torá – ordena ao praticante agradecer a seu criador todos os dias por não ter nascido mulher.” p. 58

“[A religião é] Violenta, irracional, intolerante, aliada do racismo, do tribalismo e do fanatismo, baseada na ignorância e hostil à livre reflexão, depreciativa das mulheres e coerciva para com as crianças.” p. 60

“A religião vem de uma época da pré-história humana em que ninguém (…) tinha a menor idéia do que estava acontecendo. Vem da infância assustada e chorosa de nossa espécie e é uma tentativa infantil de atender a nossa inescapável necessidade de conhecimento, bem como de conforto, garantia e outras necessidades infantis.” p. 66

“Hoje muitas religiões se apresentam a nós com sorrisos insinuantes e mãos estendidas, como um comerciante melífluo em um mercado. (…) Mas temos o direito de lembrar como elas foram bárbaras quando eram fortes e estavam fazendo uma oferta que as pessoas não podiam recusar.” p. 69

“(…) até recentemente os cristãos podiam simplesmente queimar ou silenciar qualquer um que fizesse perguntas inconvenientes.” p. 110

“Todas as religiões tomam o cuidade de silenciar ou executar aqueles que as questionam (e eu prefiro ver essa tendência recorrente como uma prova de sua fraqueza, e não de sua força).” p. 119

“Os museus da Europa medieval, da Holanda à Toscana, estão abarrotados de instrumentos e equipamentos nos quais homens santos trabalharam com afinco para descobrir por quanto tempo poderiam manter alguém vivo enquanto era tostado.” p. 200

“Dado o que foi revelado nas cidades modernas recentemente, causa arrepios pensar no que acontecia durante os séculos em que a Igreja estava acima de críticas.” p. 208

“O que é possível afirmar sem provas também pode ser descartado sem provas.”

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Deus: a hipótese descartada

a hipótese falha

Deus:A Hipótese Descartada – como a ciência mostra que Deus não existe

Um livro imperdível, ainda não traduzido para o português. Victor Stenger é professor emérito de Física e Astronomia da Universidade do Havaí e professor adjunto de Filosofia da Universidade do Colorado, U.S.

Eu terminei de lê-lo há alguns dias e vou postar aqui, a partir da próxima segunda-feira, traduções que fiz de alguns trechos.

Numa linguagem simples e muito precisa, o autor nos leva para dentro do Método Científico: explica como a Ciência constrói suas hipóteses, as testa, as avalia, reavalia, as põe à prova, até que elas sejam aceitas como — não necessariamente “verdadeiras” — mas válidas e úteis à nossa espécie. Mostra também que — o que para muitos religiosos é motivo de escárnio —  o fato de uma teoria ( = conhecimento que se adquiriu após uma hipótese ter “sobrevivido” ao método científico) ter que ser, vez ou outra, revista e modificada, não a torna sem crédito, pois, ao contrário dos dogmas religiosos, uma teoria científica “dá a cara à tapa”, apresenta-se para os demais cientistas do mundo e diz: “Por favor, mostrem que isso não está correto”.  Se ninguém consegue, com o conhecimento então disponível, e a teoria se mostra útil, diz-se que ela é uma teoria válida, ou aceita. Se uma teoria se sustenta quando novos fatos são descobertos e quando é capaz de ser usada para fazer previsões seguras que podem ser comprovadas, ela vira Lei, como a lei da gravidade.

É assim que funciona e sempre funcionou. E é graças a isso que, hoje, voamos de avião, visitamos outros mundos, falamos em celulares, inundamos o mundo com informação que viaja na velocidade da luz, aumentamos a nossa longevidade em décadas, etc. Os dogmas religiosos, por sua vez, só trouxeram desgraça, culpa, guerras e sofrimento à humanidade. Mas teremos tempo para falar sobre isso. Abaixo, só para dar uma ideia do livro, a tradução do sumário.

Cap. 1.  Modelos e Métodos

Cap. 2.  A Ilusão do Desenho

Cap. 3.  Procurando por um Mundo além da Matéria

Cap. 4.  Evidência Cósmica

Cap. 5.  O Universo Incompatível

Cap. 6.  As Falhas da Revelação*

Cap. 7.  Nossos Valores Vêm de Deus?

Cap. 8.  A Discussão do Mal

Cap. 9.  Deuses Possíveis e Impossíveis

Cap. 10.  Vivendo num Universo sem Deus

*Aqui há um trocadilho, pois, em inglês, pode ser lido: “As Falhas do Apocalipse”. Mas é revelação mesmo. Esse capítulo avalia as chamadas experiências religiosas, milagres, profecias, etc., que as religiões consideram como “prova” da existência de Deus. O autor põe essas alegações sob análise, usando o método científico e acaba por concluir que elas também não se sustentam.

Óbvio que o crente irá argumentar que o método científico não é suficiente para achar Deus, que Deus está além da compreensão humana, etc., etc., etc.. Mas isso é levado em conta também…

Como o livro não foi ainda oficialmente traduzido, dei minha própria versão do título. Alguém pode contestar que a tradução de “failed” deveria ser “falha” ( = infinitivo do verbo falhar), mas “descartada” é a que mais se aproxima do contexto: quando uma hipótese é posta à prova pelo método científico e não se sustenta, não “passa”, ela é desconsiderada, posta de lado, arquivada como “passado científico”. É uma hipótese falha. Em português, acho que dizemos mais comumente: uma hipótese descartada.

Vendo-se dessa forma, já dá para perceber que Deus não passou no teste.

Por que não acreditar – 3ª parte (final)

Quando se trata de Deus, não é diferente. Acreditar que existe um Deus todo-poderoso, que ouve suas preces, que o protege de perigos, e que criou um paraíso pra onde ele irá depois que morrer ― isso como uma espécie de bônus, pois só a perspectiva de ter “algum lugar para onde ir depois de morrer” já seria suficiente ― traz grandes benefícios para o crente: sociais, psicológicos, físicos e, muitas vezes, financeiros (se bem que este é mais frequente entre os pastores do que entre as ovelhas). Acreditar nisso lhe faz tanto bem, é tão reconfortante e lhe traz tantas vantagens que ele veria como um grande prejuízo o fato de “deixar de acreditar”, a tal ponto de:

1. dar prioridade, no nível social, aos relacionamentos e ao convívio com pessoas que compartilhem sua fé;

2. consumir produtos especialmente “desenhados” para ele: músicas religiosas, livros religiosos, filmes religiosos, programas de tv, etc.;

3. aceitar tão somente as informações que venham reforçar sua crença;

4. rejeitar consciente e inconscientemente qualquer coisa que venha de encontro às suas convicções religiosas;

5. permitir que outras pessoas que ele humildemente julga mais fortemente “conectadas” com Deus decidam por ele como ele deve viver a sua própria vida; e

6. aceitar, sem contestação, coisas que não entende, mas pelas quais seria capaz de morrer… ou matar. E é esse, segundo Richard Dawkins, um dos mais trágicos efeitos da religião: ensinar que é uma virtude ficar satisfeito em não entender.

O crente, portanto, está imerso num processo autoalimentador da fé, engenhosamente montado e mantido para protegê-lo das investidas da razão.

Entretanto, como no caso da Mala Azul, o outro lado da moeda seria o “descrente”, aquele que “acredita” que Deus não existe. E era justamente aqui aonde eu queria chegar: essa qualidade não pode ser atribuída aos ateus. Nós não temos fé com sinal invertido. Nós, ateus, não cogitamos a possibilidade de Deus ser real, assim como ninguém cogitaria a possibilidade de ser real eu guardar embaixo da minha cama um sextilhão de dólares. Não é questão de acreditar ou não: é apenas uma ideia absurdamente implausível demais que não merece sequer a dúvida educada das possibilidades.

Ser ateu é compreender que não existe um sextilhão de dólares.

O preço que pagamos por isso é o de termos que encarar a vida sem os benefícios e bálsamos que a fé proporciona. A vantagem é estarmos vivendo no mundo real, acordados, com a certeza de que esta é a única vida que teremos; o que a torna, por isso mesmo, ainda mais valiosa.


Por que não acreditar – 2ª parte (de 3)

Com o passar dos meses, eu poderia continuar mandando mais cartas para a minha parentada explicando como consegui acumular aquela estupenda quantia, confirmando a minha conversão ao budismo, ratificando a minha decisão de doar todos os meus bens, etc., e até estipulando algumas regras para a divisão dos dólares, que, se não fossem seguidas à risca, impossibilitaria o pecador, digo, o faltoso, de receber a sua recompensa monetária. As cartas seriam tantas e reforçariam de tal modo a ideia inicial do milhão de dólares, que eles as encadernariam luxuosamente e passariam a venerar, mui respeitosamente, o volume assim obtido como se fosse um livro sagrado, onde constaria tudo sobre a origem do dinheiro, sobre a minha motivação para me desfazer dos meus bens, e o passo a passo que garantiria a salvação, ops!, uma parte do montante, melhor dizendo.

Mas ora, assim como a própria Mala Azul, ninguém teria como saber se essas declarações seriam verdadeiras ou não: eu poderia estar, descaradamente, mentindo. Seria necessário, então, para acreditar nessa Bíblia em que se transformaram as minhas cartas, o mesmo tipo de fé que eles já haviam dispensado, inicialmente, à ideia do dinheiro em si. Não houve nenhum incremento na certeza da existência da Mala Azul, apenas um aumento na demanda de fé para continuar acreditando nela.

E poderia continuar assim, talvez não indefinidamente, mas por um certo tempo, até bem além da data inicialmente prometida para a partilha. Bastaria dizer que resolvi adiar a viagem para o Tibet, ou anunciar a minha intenção de só fazer a distribuição do dinheiro quando atingisse US$ 1.000.000,00 “fechado”. Isso com certeza iria reforçar o ânimo dos “descrentes”, pois lhes daria, de bandeja, um argumento mais contundente contra a existência da Mala Azul. Mas, então, por esse tempo, muitos dos que acreditaram, desde o início, na história toda, já estariam tão ligados a ela, já estariam tão esperançosos para receberem o seu quinhão, já tendo até mesmo cometido alguns pequenos excessos de consumo antecipado e contraído algumas dívidas, enfim, já seriam tão fervorosamente devotos da Mala Azul que o pensamento de tudo ser, enfim, um embuste, ou uma “pegadinha” de um parente distante, seria convenientemente descartado. Quanto mais debilitado financeiramente meu parente estivesse, maior seria o seu desejo de que a tal mala realmente existisse, e esse desejo se tornaria tão grande que ele não iria querer abandonar essa possibilidade. A simples alusão, feita por um parente menos convencido, de que a Mala Azul fosse uma invenção absurda já seria motivo suficiente para um bom “bate-boca”.

Para os crentes na Mala Azul, a dificuldade financeira faria crescer um desejo muito forte de que ela fosse mesmo real. E quanto mais o tempo passasse, mais esse desejo seria cultivado, mais seria regado com sonhos de uma vida um pouco melhor, e, consequentemente, mais difícil seria a ideia de ter que se desfazer dessa perspectiva.


Por que não acreditar – 1ª parte (de 3)

Preciso contar uma coisa: eu tenho US$ 980.620,00 guardados dentro de uma mala azul embaixo da minha cama. Sim, você leu direito: quase um milhão de dólares americanos. Em notas usadas de 50 e de 20.

Você pode não acreditar em mim, mas isso poderia ser facilmente resolvido se eu levasse você até a minha casa para que você mesmo contasse o dinheiro. Mas mesmo que eu não faça isso, você não poderá simplesmente concluir que essa mala azul não existe. O fato de eu, especificamente ― claro, se fosse o Sílvio Santos que alegasse tal coisa, você não teria por que duvidar ―, ter esse dinheiro todo no meu quarto não pode ser visto como “impossível”, afinal, eu poderia tê-lo obtido de um jeito ou de outro. Mas como isso não vai alterar absolutamente em nada o curso da sua vida, acreditar, ou não, na minha pequena fortuna torna-se totalmente inútil para você, e o seu cérebro simplesmente deixa de pensar no assunto. A “Mala Azul”, exista ou não, não lhe interessa.

Imagine agora que eu, que há quase 20 anos moro longe da minha família e, muito raramente, meus parentes menos próximos têm qualquer notícia a meu respeito, mandasse uma carta para alguns deles começando exatamente como acima e, adicionalmente, divulgasse a informação de que eu havia me convertido ao budismo e, antes de me mandar, definitivamente, para o Tibet, no final de 2009, iria querer fazer uma doação de todos os meus bens, distribuindo-os entre os parentes menos afortunados. A grana da Mala Azul inclusa.

A história agora é bem outra. A existência da minha Mala Azul pode, sim, interferir na vida de alguém. Numa situação dessas, não é difícil de se imaginar que alguns dos meus parentes iriam considerar bastante o caso, ponderar as possibilidades e, após algumas conversas em família, reflexões, e duas ou três noites de insônia, iriam acabar admitindo um certo nível de “crença” na Mala Azul. Claro, sempre haveria aqueles que iriam duvidar que eu possuísse esse quase milhão de dólares, mas mesmo estes “descrentes”, estariam sempre reavaliando as possibilidades para manter ou reforçar a sua própria descrença. Só que eles, do mesmo modo que os meus “crentes”, não teriam como saber se a Mala Azul realmente existe ou não, o que faz dessa descrença ― acreditar que ela “não existe” ― também uma forma de fé, idêntica à dos crédulos, só que com o sinal invertido.

Parte 2Parte final


Ciência e Religião

A Religião tem um grave problema de falta de critério quando o assunto é Ciência. Se eu sou uma pessoa religiosa e a Bíblia me diz, por exemplo, que, quando do Dilúvio, a Terra foi totalmente encoberta com água até muito acima do seu ponto mais alto, enquanto que a Ciência argumenta que toda a água presente na Terra não seria capaz, sequer, de enlamear toda a superfície do planeta, eu digo para mim mesmo: “A Bíblia é que está certa. A Ciência é falível”. Mas, alguém poderia perguntar, não é nessa mesma Ciência Falível em que se confiam alguns dos processos mais importantes do Vaticano, como o da canonização e o da autorização para exorcismo? Esses processos não exigem claramente que essa Ciência Falível dê o aval de que tal e tal ocorrência não tem explicação científica e, mais ainda, desafia o próprio conhecimento científico como um todo?

E alguém poderia imaginar ainda ― como argumentou Richard Dawkins no seu livro “Deus, um Delírio” ―, no caso hipotético de escavações arqueológicas encontrarem, digamos, algum resquício de cabelo, sangue, etc., que pudesse ser atribuído a Jesus Cristo e, após os exames em um renomado laboratório genético, fosse anunciado que a amostra encontrada possui duas cadeias de DNA idênticas, ambas vindas da mãe (sem o cromossomo Y masculino), concluindo-se, assim, que a pessoa a qual pertencia aquele fragmento foi gerada exclusivamente por uma mulher… pois bem, alguém seria capaz de imaginar o Papa Bento XVI aparecendo na manhã seguinte para dizer a uma multidão de fiéis ansiosos na Praça de São Pedro que “Essa declaração não deve ser levada muito a sério porque a Ciência é falível”??? Ou seria mais provável que o Vaticano fizesse tocar trombetas pelos quatro cantos do mundo para anunciar a “comprovação científica” da natureza divina de Jesus? A Ciência não poderia estar, de repente, equivocada? A resposta é não.

Pelo menos não quando for conveniente.

Uma questão de marketing

No fim de maio de 2008, o Jornal Nacional exibiu uma reportagem sobre a polêmica que a discussão sobre a votação de uma lei para regulamentar a pesquisa com células-tronco estava gerando entre os religiosos brasileiros. Um jovem, representante do movimento evangélico, foi entrevistado e protestou enfurecidamente contra a aprovação de qualquer tipo de pesquisa que utilizasse embriões humanos, e concluiu dizendo que a intenção de se aprovar leis que regulamentassem esse tipo de coisa mostrava que o Estado estava “se tornando um Estado ateu; não está respeitando a fé das pessoas”. Lógico que ele jamais iria reclamar se o Estado estivesse se tornando um “Estado evangélico” e, obviamente, o trecho “não está respeitando a fé das pessoas”, se ele não fosse tão hipócrita, teria sido substituído por “não está respeitando a minha fé”.

Bom, eu confesso que nunca li a Bíblia toda, mas sou capaz de apostar que não deve ter nada lá proibindo pesquisas com células-tronco, o que provocou o discurso enfurecido do jovem evangélico, nem nada sobre fertilização “in-vitro” ― bebê de proveta ― onde para se conseguir o nascimento de um único bebê, geralmente são descartados, pelo menos, dez embriões humanos, e sobre o que as várias igrejas evangélicas, como a Igreja Católica, não parecem se incomodar tanto. Talvez a “Cruzada contra as células-tronco” seja só modismo. Ou propaganda. Ou os dois.

Entretanto, tal pretensão humana de “brincar de Deus” é ferozmente atacada pelos religiosos, que alegam que o embrião já é uma vida, querendo dar a entender que eles respeitam demais a vida humana. Mas a História está repleta de incontáveis exemplos desse “respeito” demonstrado pelas religiões do mundo. E a Cristã, da qual os evangélicos fazem parte, foi a que deu mais provas dele, seja pelas fogueiras que acendeu ou pelas guerras que motivou.

Isso mostra a falta de “critério”, a lógica maluca da fé: “Eu estou aqui defendendo esse aglomerado de células porque a minha religião tem alto apreço pela vida. Sim, já que você tocou no assunto, é a mesma religião, sim, que exterminou milhões de vidas humanas ao longo da História”.

De onde vem a fé

Segundo o dicionário Houaiss (lê-se “uáis”), na sua acepção mais comum, “dogma” é o ponto fundamental de uma doutrina religiosa, apresentado como certo e indiscutível, cuja verdade se espera que as pessoas aceitem sem questionar. São assuntos sagrados, imexíveis, imutáveis e inquestionáveis: “Aceite e ponto. Você não precisa ― nem deve!!! ―  pensar a respeito.”

Ou seja, a fé religiosa se apoia numa parte do cérebro humano de onde a razão teve de ser extirpada. Só que esse processo é demorado, portanto precisa começar bem cedo, na primeira infância.

Quando somos crianças, os nossos pais, a nossa família e a sociedade na qual calhamos de nascer nos enfiam sistemática e ininterruptamente goela abaixo ― seria melhor dizer: cérebro adentro ―, uma série de “certezas” que a nossa mente indefesa e honesta inevitavelmente absorve. Quanto mais o tempo passa, mais essas certezas são discutidas, rezadas, encenadas, lidas, catequizadas a ponto de ficarmos fascinados por elas e vê-las, por fim, como verdades absolutas. Além do mais, todas aquelas pessoas, para nós revestidas de enorme autoridade, não poderiam estar erradas. Não ao mesmo tempo. Não durante tanto tempo.

E a fé se instala. Não importa o que foi dito à criança; nessas condições, ela irá acreditar. E os dogmas vão dar ponto e servir pra manter incólume, ante as futuras e previsíveis investidas da razão, tudo o que ela aprendeu.

As pessoas acreditam no que acreditam porque foram doutrinadas para isso. Todas as outras pessoas que elas conheceram, amaram, respeitaram e em quem acreditaram durante os seus primeiros anos de vida diziam que assim era e que elas deveriam acreditar também. Claro que, em algum momento da nossa infância, de um jeito ou de outro, fomos informados de que o Saci-Pererê e o Papai Noel não eram reais. Mas ninguém veio nos dizer que Deus também não era.