Bom dia ou Bom-dia? [Editado com nota]

[OFF-TOPIC]: Nós cumprimentamos com ou sem o hífen?

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Incluindo o meu maravilhoso Houaiss acima [lê-se uáis”], cuja segunda edição atualizada para a nova ortografia está em curso há quase uma década, os dicionários da língua portuguesa registram o verbete “bom-dia” e dão exemplo do seu emprego geralmente nesses termos: “cumprimentou-o com um bom-dia caloroso”. Nenhum deles, porém, exemplifica o uso assim: “Bom-dia, José!”. Em contrapartida, o Míni Aurélio (e só ele) explica que o cumprimento em si é escrito sem o hífen, dando o seguinte exemplo: “Bom dia, José!”.

Embora a Academia Brasileira de Letras, através do serviço ABL Responde, já tenha se manifestado dizendo que o cumprimento “bom-dia” (assim como “boa-tarde” e “boa-noite”) sempre se escreve com hífen, a gente sabe que o uso consagrou a forma “bom dia”, em desacordo com a definição: 

bom-dia sm 1 cumprimento que se dirige a alguém na parte da manhã;

Tudo bem que “bom-dia” é o substantivo que aparece em frases do tipo “Ela sequer me deu bom-dia”; e, como quase todos os substantivos, tem uma forma diferente no plural: bons-dias. Mas, assim como está definido em todos os dicionários, “bom-dia” também é o cumprimento em si.

Muita gente gabaritada tem defendido a ausência do hífen no cumprimento (conforme consta do Míni Aurélio). Outros, entretanto, e entre tantos, afirmam que a posição a favor de “Bom dia, José!” é tomada com base num raciocínio equivocado: o de que a saudação “bom dia” ― tal como ocorre em “bom apetite” ou “bom fim de semana” ― é a porção final de uma frase parcialmente subentendida: Desejo que você tenha um bom dia, José!”.

Alega-se que o fato de ser possível inverter na frase a ordem de “bom dia” ― “Desejo que você tenha um dia bom, José!” ― invalida a ocorrência da palavra composta “bom-dia”, pois esta não poderia ter alterada a sequência dos termos que a compõem (“dia-bom”). Uma vez que a inversão de “bom dia” é exequível (“dia bom”), prova-se que aquilo que se está considerando não é um vocábulo (“bom-dia”), mas parte de uma frase, longe das garras do hífen, portanto, que é um tracinho que habita apenas o interior das palavras.

Acontece que a D. Maria nunca acordou de manhã pra dizer “Dia bom, José!”. E isso resolve o mistério.

Quando alguém diz “Desejo que você tenha um bom dia” (ou “dia bom”, na ordem direta: subst. + adj.), está se referindo ao dia todo, justamente por causa da palavra “dia”, que é um termo independente na frase, com significado próprio.

O desejo de que “o dia” de uma pessoa seja “bom”, expresso naquela suposta frase parcialmente escondida, não se restringe à parte do dia em que o sol está brilhando; muito menos tem prazo de validade, como é o caso de “bom-dia”, que, depois das 12:00, vira “boa-tarde” obrigatoriamente. Se você der bom-dia às 12:05, provavelmente vai ser corrigido: “É boa-tarde já”.

E outra coisa: quando alguém lhe dá bom-dia, o que você responde?

― Bom-dia!

― Bom-dia!

A valer aquela frase subentendida que endossa a ausência do hífen (Desejo que você tenha um bom dia), a gente deveria esperar que o diálogo abaixo não parecesse tão bizarro:

― Bom dia, José!

― Obrigado.

“Bom-dia” (assim como “boa-tarde” e “boa-noite”) é uma convenção, uma expressão pré-formatada para saudar as pessoas de manhã! E os dicionários registram essa convenção assim: “bom-dia”. Na fala, não faz diferença; mas, na escrita, o cumprimento leva hífen.

Tenham todos um bom dia. 

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Nota:

Dias depois de escrever esse texto, acabei me decidindo por usar a forma “bom dia”, sem hífen, pelos seguintes motivos:

  1. O emprego do hífen na nova ortografia aparenta pender para o princípio de que quanto menos, melhor.
  2. Em consideração à “nota” do Míni Aurélio com o exemplo de emprego da saudação: “Bom dia, José”.
  3. O fato do Houaiss não exemplificar no verbete “bom-dia” o seu emprego como “Bom-dia, José”, o que teria resolvido o assunto de uma vez por todas.
  4. O já consagrado emprego de “bom dia”, na saudação em si — e o uso faz a regra, não o contrário.
  5. A nova ortografia tá bagunçada e não é pouco! Meu Grande Houaiss (2001) registra “bom-senso”; meu Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa da Academia Brasileira de Letras (2009) registra “bom-senso”; meu Houaiss com a reforma ortográfica (2009) registra “bom senso”, no verbete “senso” (portanto sem o hífen).

Como eu disse: uma bagunça!! Então, um grande abraço a todos, boa noite e boa sorte!!