Tradução que fiz de alguns trechos do capítulo 7: “Do Our Values come from God?” (p. 193), do livro God: The Failed Hypothesis (“Deus: a hipótese descartada”).
“As religiões do mundo se atribuem o papel de arbitrar no que diz respeito ao comportamento humano, embora seus líderes frequentemente apresentem a mesma decadência moral que eles alegam ver na sociedade. Eles insistem em dizer que podem nos ditar o que é certo ou errado porque têm uma espécie de conexão direta com a mente de Deus.
Mesmo instituições seculares [= laicas, sem vínculos religiosos] aceitam essa alegação. Sempre que se levanta um assunto sobre moral na sociedade, tal como células-tronco ou eutanásia, os religiosos são chamados para destilar a sua sabedoria. Por outro lado, a opinião dos ateus, dos livres pensadores e dos humanistas raramente é pedida — frequentemente é insultada.
A implicação disso é que ateus e humanistas são, de alguma forma, membros indesejáveis da sociedade, pessoas que você não iria querer convidar para ir a sua casa. De acordo com o advogado Phillip Johnson, os ateus acreditam que os humanos descendem dos macacos e isso é a origem de todo o “mal” da sociedade moderna, incluindo homossexualismo, aborto, pornografia, divórcio e genocídio — como se o mundo não tivesse nada disso antes de Charles Darwin aparecer!
Não importa quão comum seja a visão de que a religião é a fonte do nosso bom comportamento moral, o que dizem os números? Nunca vi nenhuma evidência de que não crentes cometam mais crimes ou outros atos antissociais em maior proporção do que os crentes. Alguns estudos, na verdade, indicam justamente o contrário.*
Os pregadores nos dizem que os padrões de moral universais só podem vir de uma única fonte: o Deus particular deles, pois, caso assim não fosse, os padrões morais iriam depender da cultura de cada povo e seriam divergentes através das culturas e mesmo dos indivíduos. Entretanto, como bem observou o antropologista Solomon Asch:
“Nós não conhecemos nenhuma sociedade na qual a bravura seja desprezada e a covardia tida como uma honra; a generosidade considerada um vício e a ingratidão, uma virtude.”
Claro, nem eles mesmos chegam a um acordo sobre alguns assuntos morais. Por exemplo, considere as interpretações opostas sobre o mandamento de “não matar” dentro da comunidade cristã. Protestantes Conservativos interpretam esse mandamento como proibitivo para o aborto, pesquisas com células-tronco e eutanásia dentre outros, mas não veem a pena de morte como sendo proibida, invocando a prescrição bíblica do olho-por-olho. Católicos e Cristãos Liberais, por outro lado, interpretam esse mandamento como proibitivo para a pena de morte, sendo, portanto, contra. Mas os Católicos se opõem ao aborto, à eutanásia e às pesquisas com células-tronco, enquanto que os Liberais são a favor.
Então, como os Cristãos decidem sobre o que é certo ou errado? Quando eles recorrem à Bíblia, o que interpretam nas escrituras depende de ideais que eles já haviam desenvolvido antes de alguma outra fonte.
Os livros sagrados dos judeus, cristãos e islâmicos contêm muitas passagens que ensinam nobres ideais que a raça humana fez bem em adotar como norma de comportamento e, quando apropriados, codificar em leis. Mas, sem exceção, o fato de que esses princípios se desenvolveram em culturas antigas, numa história muito anterior, indica que eles foram adotados pela religião em vez de extraídos dela. Mesmo sendo bom que pregadores religiosos ensinem bons preceitos morais, eles não têm nenhum motivo para alegar que esses preceitos foram de autoria de sua divindade particular, ou qualquer outra divindade que seja.
Em nossa sociedade ocidental, as pessoas assumem que a chamada Regra de Ouro:”Faça aos outros o que gostaria que fizessem a você” foi um ensinamento original de Jesus Cristo no Sermão da Montanha. Só que, assim como a frase “Ama o teu próximo como a ti mesmo”, que aparece em Levítico 19:18, foi escrita mil anos antes de Jesus, a Regra de Ouro não é propriedade exclusiva de uma pequena tribo do deserto que tem a si mesma em alto conceito. Aqui estão outras fontes que mostram que essa doutrina já estava bem difundida muito antes de Jesus:
“O que você não quer que lhe façam, não faça aos outros.” (Confúcio, 500 a.C.)
“Não faça aos outros aquilo que deixaria você zangado se feito pelos outros a você.” (Isócrates, 375 a.C.)
“Aqui está a soma de toda a retidão: lide com os outros como você gostaria que eles próprios lidassem com você.” (Mahabharata Hindu, 150 a.C.)
No Sermão da Montanha, Jesus também aconselhava seus ouvintes:
“Eu, porém, digo-vos que não resistais ao que é mau; mas, se alguém lhe ferir na tua face direita, ofereça-lhe também a esquerda” (Mateus, 5:39);
“Ouvistes o que foi dito: ‘Amarás o teu próximo e aborrecerás o teu inimigo’. Eu, porém, digo-vos: ‘Amai os vossos inimigos, fazei bem aos que vos odeiam, e orai pelos que vos maltratam e vos perseguem.” (Mateus, 5:43-44).
De novo, esses são ensinamentos geralmente creditados unicamente ao cristianismo. Mas o “ama o teu próximo” é anterior a Jesus e nem mesmo consta do Antigo Testamento:
“Eu trato aqueles que são bons com bondade. E eu também trato aqueles que não são bons com bondade. Assim a bondade é atingida. Eu sou honesto com aqueles que são honestos. E eu também sou honesto com aqueles que são desonestos. Assim a honestidade é atingida.” (Taoísmo, Tao te Ching 49)
“Vença o Ódio com o Amor. Vença o Mal com o Bem. Vença o Sovina com a Doação. Vença o Mentiroso com a Verdade.” (Budismo, Dhammapada 223)
“Um ser superior não pagaria o mal com o mal; isso é o preceito que se deveria observar; o ornamento do virtuoso é a sua conduta. Não se deve ferir o fraco, ou o bom, ou o criminoso que merece morrer. Uma alma nobre sempre exercitará sua compaixão mesmo para com aqueles que se regozijam em fazer o mal aos outros; mesmo para com aqueles que cometem atos cruéis, ainda que com o ato ainda em andamento — porque: quem está isento de falta?” (Hinduísmo, Ramayana, Yuddha Kanda 115)
De novo, esses ensinamentos bíblicos não são princípios morais originais. Tanto nas Escrituras como em outros ensinamentos do cristianismo, judaísmo ou islamismo, nós descobrimos uma repetição de ideais comuns que surgiram durante a evolução gradual das sociedades humanas, enquanto elas se tornavam mais civilizadas, desenvolviam processos de pensamentos racionais, e descobriam como viver juntos e em harmonia. As provas apontam para uma fonte que não são essas revelações das Escrituras.
Os comportamentos humanos e sociais se mostram exatamente como deveria ser esperado que eles se mostrassem se não existisse Deus algum.”
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*Esse trecho, em particular, também aparece (um dos autores fez um “Ctrl C, Ctrl V” no texto do outro) no primeiro capítulo de“deus Não É GRANDE” (<clique), exceto por um grande “pequeno detalhe”: a tradução está errada! E o erro é tão infantil, que desconfio que o tradutor era religioso e achou que não iria para o Inferno — ou que iria para o Céu — se praticasse um atozinho de terrorismo literário, uma sabotagenzinha à toa: leu “more“, (=mais), no original (<clique) e traduziu como “menos“, invertendo completamente o sentido da frase em favor dos religiosos. Confira:
Em português: “(…), mas nenhuma estatística irá revelar que sem essas promessas e ameaças [Céu e Inferno] nós [ateus] cometemos menos crimes de ganância e violência que os fiéis. (Na verdade, caso pudesse ser feita uma correta pesquisa estatística, tenho certeza de que ela indicaria o contrário.)
Em inglês: “(…), yet no statistic will ever find that without these blandishments and threats we commit more crimes of greed or violence than the faithful. (In fact, if a proper statistical inquiry could ever be made, I am sure the evidence would be the other way.)”
É preciso tomar cuidado com traduções: há muito tempo, alguém leu num texto em hebraico uma palavra que tinha o sentido de “moça; adolescente” e a traduziu como “virgem”. Você já sabe no que deu…
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